A psicologia Gestalt usa a ideia de figura e fundo para ilustrar como focamos nossa percepção em algo, deixando de ver o quadro completo. Assim tem sido o estéril debate sobre saúde versus economia, diante de uma pandemia, como se pudessem ser fatos isolados. Os que defendem a ideia de não haver o isolamento social, dizem que devíamos proteger os idosos ( esquecem pacientes crônicos, e que a doença, acima de 60 anos já tem mortalidade de 3,6%, chagando a 8% para os que tem mais de 70 anos e 22% para os acima de 80) e liberar o restante. A ideia é: infecta todo mundo, quem tem de morrer, morre, quem tem de sobreviver, sobrevive e fica imune, já que após uns 70% da população adquirir anticorpos, uma pandemia começa a decrescer. Assim, salvaríamos a economia, pois, segundo eles a recessão pós- crise será muito pior. É mais rápido, mas é mais mortal. O conceito é uma espécie de eugenia viral, em que sobreviveriam os aptos. Nós já vimos essa teoria aplicada na história da humanidade, no que deu. O erro é olhar a figura esquecendo o pano de fundo.
Acontece que se não houver
isolamento social e o vírus se expandir sem nenhuma contenção irão
morrer muito mais pessoas que o necessário e que não deveriam morrer
porque NENHUM sistema de saúde dará conta. Nem o privado, nem o público.
A taxa de letalidade subirá assustadoramente com as pessoas morrendo
nas portas dos hospitais sem a menor chance de acesso, sem ventiladores,
sem insumos, leitos, sem equipe de assistência. Precisaremos de todos
os caminhões do Exército em fila indiana para transportar todos os
corpos, e nem os conseguiremos enterrar. Basta ver o que acontece na
Espanha e Itália sem que a população toda esteja exposta. Imaginem com a
livre circulação do vírus para atingir 210 milhões sem o achatamento da
curva que o isolamento promove. Alguns, sugerem que 50 milhões vivem
isolados como se 160 milhões não fossem o bastante para o caos.
O
segundo argumento é uma espécie de delírio: protegeremos nossos idosos.
Nessa parte eles não dizem como, talvez congelando-os e os acordando
depois, porque com a circulação livre do vírus é claro, óbvio ululante,
evidente, que a chance de contágio se torna muito maior. Eles também
imaginam que estamos em uma Suíça e esquecem que 50 milhões de
brasileiros vivem abaixo da linha de pobreza, 100 milhões sequer tem
água encanada e esgoto, e convivem em ambientes com toda família, com
zero possibilidade de isolamento. Como fazer com que 32 milhões de
brasileiros, maiores de 60 anos, fiquem isolados, apesar de precisarem
de remédios, cuidados, alimentação, serviços, é um mistério a ser
esclarecido. Os que propõem, com certeza, tem condições econômicas de
isolarem seus familiares, embora o vírus tenha dado repetidas lições que
não respeita status social. A frase não passa de um sofisma vazio.
Significa que temos que ter desprezo pela economia? Não. É preciso
buscar o melhor equilibro entre os dois parâmetros, mas a ideia errada
que propõem faz com que tenhamos a impressão que o Brasil não depende da
economia mundial e se adotarmos essa medida, ao contrário de TODO
restante do mundo, nós estaremos genialmente salvos. Tolice, ainda que o
fizéssemos, dependemos dos outros e o caos seria tão grande com a
pandemia sem controle que a economia continuaria tendo severos impactos.
Também não se leva em conta as ações de governos em ajudar na
recuperação, nem na própria recuperação de países que já encerraram suas
crises com, pasmem!, isolamento. No entanto, tenho reafirmado que é
preciso garantir vias de abastecimento e de infraestrutura mínima.
E o que acho correto? A combinação de testagem massiva precoce, com
isolamento social. O gasto em investimento na compra de testes é poupado
na administração controlada da pandemia, sem colapso apocalíptico da
saúde. A medida que a pandemia for sendo controlada ir liberando
atividades de forma planejada. A China mostrou que funciona e sua
economia já está retomando atividade com força. Singapura, Hong-Kong,
Coreia, Alemanha, mostram o mesmo resultado, mas aqui acreditamos que
podemos redescobrir a pólvora ao custo de cadáveres alheios.
Por
último há uma questão ética, embora esse seja um conceito que não
parece importante para muitos: é correto deixar um vírus contaminar toda
a população, sem termos tratamento adequado, sem termos sistema de
saúde que dê suporte, e vitimando exatamente a população mais incapaz de
se defender, em nome de seus sanduíches? Se você achar que sim, eu lhe
desejo a paz que lhe for possível.
Economia do mundo será
retomada com mais ou menos dificuldade, mas será. Os mortos, não. E eu
não nasci para perder vidas se posso lutar por elas.
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