O primeiro caso confirmado do novo coronavírus foi detectado na China
em 7 de janeiro. Pouco tempo depois do anúncio, a empresa de
biotecnologia Moderna Therapeutics
já estava trabalhando no desenvolvimento de uma vacina para o vírus.
Agora, eles afirmaram que vão iniciar os testes diretamente em humanos,
sem passar pelo protocolo padrão de testar em animais.
Os ensaios clínicos (com humanos) e pré-clínicos (com
animais) que garantem a segurança de uma vacina levam meses ou anos em
uma situação ideal. Porém, diante de uma pandemia global,
as farmacêuticas estão interessadas em encontrar a uma forma de
barrá-la o mais rápido possível – o que abre uma brecha para pular
etapas e começar logo de cara as aplicações em voluntários Homo sapiens.
A Moderna começou a procurar voluntários saudáveis no início de
março. A ideia é testar 45 pessoas entre 18 e 55 anos, que vão tomar
duas doses da vacina com intervalo de um mês. Cada cobaia receberá US$
100 por visita feita ao laboratório ao longo do estudo, e serão
aproximadamente 11 visitas (com a cotação a R$ 5,00, muito brasileiro
ficaria ouriçado para participar – e embolsar R$ 5,5 mil). Os
experimentos estão rolando no Instituto de Pesquisa em Saúde de Seattle
(EUA).
A atitude de pular os ensaios
pré-clínicos evidentemente põe em risco a saúde dos voluntários e está
gerando objeções éticas da comunidade científica. Muitos pesquisadores
se manifestaram contrários à decisão. Para piorar, a Moderna desenvolveu
um mecanismo de imunização inédito – não há nenhuma outra vacina no
mercado que utilize a mesma técnica, o que torna a experiência ainda
mais arriscada.
Explicando: atualmente, há dois
tipos diferentes de vacina. Algumas utilizam o próprio micróbio, morto
ou quimicamente atenuado, para que ele não seja capaz de causar
infecção. Outras utilizam apenas um pedacinho do micróbio –
no caso dos vírus, geralmente uma proteína – que sirva de gabarito para
o sistema imunológico a criar anticorpos. Nos dois casos, a ideia é
treinar o corpo para a chegada da ameaça real.
A vacina da Moderna, por outro lado, usa uma molécula chamada RNA
mensageiro (RNAm). No nosso organismo, o RNAm transmite informações
contidas em nosso DNA para os ribossomos e possibilita a produção de
proteínas. A nova vacina nada mais é do que um monte de RNAm sintético –
que instrui o corpo a produzir proteínas iguais às do coronavírus. A
ideia é que nosso corpo, ao se ver
inundado por essas proteínas alienígenas, aprenda a reconhecê-las para
depois identificar e derrotar o corona de verdade.
Se vai funcionar é outra história. A
Moderna tentou testar o truque em ratos de laboratório, mas os animais
não se mostraram ideais para tal experimento, pois suas células não são
atacadas pelo vírus da mesma maneira que as nossas (cada mamífero tem
seus próprios parasitas, e eles raramente são intercambiáveis).
Alguns camundongos foram geneticamente
modificados no ano 2000, durante o surto da SARS – que também foi
causada por um coronavírus –, de maneira a torná-los mais suscetíveis a
vírus humanos. Isso permitia utilizá-los como cobaias eficazes em
ensaios pré-clínicos. Infelizmente,
essa linhagem não sobreviveu aos últimos vinte anos – era muito caro
mantê-la. O jeito é começar do zero: a Mersana já está trabalhando em
ratinhos com especificações parecidas, que deverão ficar prontos em
algumas semanas
Uma vacina que utiliza a técnica de
RNAm foi desenvolvida contra o coronavírus causador da MERS, outra
epidemia que encheu os jornais nas últimas décadas. Ela foi testada nos
ratos mencionados anteriormente. A resposta imune foi suficiente para
protegê-los, o que é um dado otimista. Obviamente, porém, não se pode
afirmar nada sobre sua aplicabilidade à Covid-19.
Estima-se a vacina estará disponível
para uso humano em cerca de um ano – o que obviamente não é rápido o
suficiente para barrar a pandemia. Sem contar que, se algo der errado – e
isso acontece com frequência em ensaios clínicos –, os testes recomeçam
do zero, o que atrasa ainda mais a solução. Os
fabricantes de vacinas acreditam que o caso do Covid-19 é um teste
importante para demonstrar como lidaremos, no futuro, com surtos de
outras infecções desconhecidas. (Super Interessante)
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