O lançamento da nota de R$ 200 foi
anunciado pelo Banco Central nesta quarta-feira (29) e gerou grande
repercussão — desde críticas no sentido de que facilitaria lavagem de
dinheiro até memes com imagens de como deveria ser a nova cédula do
real.
Por que houve um alarde tão grande depois do anúncio? Para o
economista Fábio Terra, professor de economia da Universidade Federal
do ABC, parte da explicação está na surpresa, já que não havia notícias
de que o Banco Central estudava lançar a nova nota.
E a outra
parte, ele diz, é explicada pelo "efeito psicológico" que uma nota de R$
200 pode ter em um país que viveu um grande período de alta inflação —
desde meados dos anos 1980 até 1994, quando o Plano Real conseguiu
finalmente controlar o processo inflacionário e estabilizar a moeda.
"A nota com valor muito alto pode trazer para a memória coletiva
o susto de que o dinheiro está perdendo valor", disse Terra, que é
pós-doutor pela Universidade de Cambridge.
Para a
política monetária, a expectativa é importante, mas os economistas
apontam que o Brasil está bem longe de voltar a ver inflação alta. Muito
pelo contrário. Com a economia em retração, a expectativa é que a
inflação fique abaixo dos 2% neste ano.
Os
economistas do mercado financeiro esperam que a inflação medida pelo
Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) fique em 1,67% neste ano,
segundo o Boletim Focus, do Banco Central, divulgado na última
segunda-feira. A previsão para o Produto Interno Bruto (PIB) é de uma
retração de 5,77% neste ano.
Terra disse, ainda, que o anúncio num
momento em que o Brasil registra mais de 90 mil mortes e 2,5 milhões de
casos confirmados de covid-19 pode dar a sensação para alguns de que
"talvez as prioridades não sejam tão prioritárias".
Será a
primeira vez, em 18 anos, que o real ganhará uma cédula de novo valor.
Ela se juntará aos seis valores de cédulas hoje em circulação: R$ 2, R$
5, R$ 10, R$ 20, R$ 50 e R$ 100.
Por que o BC decidiu criar a nota de R$ 200 agora?
Está
exatamente nos efeitos da pandemia a explicação do Banco Central sobre
por que lançar esta nova cédula, que começará a circular no fim de
agosto, com imagem do lobo-guará. Os detalhes da imagem da cédula, que
está em fase final de testes, não foram revelados.
O Banco
Central diz que a decisão, aprovada pelo Conselho Monetário Nacional
(CMN), foi tomada para "atender ao aumento da demanda por dinheiro em
espécie que se verificou durante a pandemia de covid-19".
Em
março, a quantidade de dinheiro vivo com a população era de
aproximadamente R$ 216 bilhões, segundo o Banco Central. A partir desse
momento, esse montante começou a subir rapidamente e hoje está em R$ 277
bilhões.
Um dos motivos para o aumento da demanda por cédulas é o
que o Banco Central chama de entesouramento, que é o dinheiro guardado
em casa.
"Não só o Banco Central do Brasil, mas bancos centrais de
outros países observaram o entesouramento desde que a pandemia começou.
Isso não é um fenômeno típico do nosso país. Em momentos de incerteza,
as pessoas tendem a fazer saques e acumular reservas. O dinheiro, em
tempos de incerteza, é sinal de segurança, estabilidade", disse a
diretora de Administração do Banco Central, Carolina de Assis Barros.
Agora,
a previsão do Banco Central é de que, ao longo do ano, entrem em
circulação 450 milhões de unidades da nova cédula. O governo disse que a
medida não tem impacto na base monetária do país - isso significa, numa
explicação simples, que não será um "dinheiro a mais" circulando. É
como se, em vez de colocar duas notas de R$ 100 em circulação, o Banco
Central substituísse por uma de R$ 200.
Dificuldade com o troco
Terra
diz que, avaliando com o olhar do Banco Central, a medida facilita a
logística de distribuição de notas. "Isso vai fazer com que menos notas
precisem ser carregadas", disse, em referência à distribuição de moeda
em um país tão grande quanto o Brasil.
Ele concorda com a
avaliação de que muita gente, em momento de crise, decide guardar
dinheiro vivo. Segundo o economista, isso é ainda mais forte para quem
tem dívidas. "Ter o dinheiro na mão é uma certeza de que ele não será
tomado pelo banco."
Um ponto negativo da nova cédula, ele diz, é o
troco que ela vai exigir. "Para quem recebe o auxílio emergencial, em
vez de sacar 6 notas de R$ 100, o saque será de 3 notas de R$ 200.
Pessoas que pegarem nota de R$ 200 vão fazer transações de baixo valor, o
que vai exigir grande volume de notas menores para dar troco."
Um
dos primeiros questionamentos que surgiram enquanto o Banco Central
fazia o anúncio foi: mas isso não vai contra um movimento mundial de
ampliar a quantidade de transações por meio digital?
Embora em
muitos países a circulação de cédulas esteja diminuindo e muitos
estabelecimentos nem aceitem dinheiro vivo, o Banco Central bateu na
tecla de que, no Brasil, o pagamento em espécie ainda é o meio mais
frequente. Em uma pesquisa feita em 2018, 60% dos entrevistados
responderam que o dinheiro era a forma de pagamento que eles mais
utilizavam.
Terra diz que o uso de dinheiro é espécie é uma
consequência da grande desigualdade no Brasil, o que torna mais difícil
aumentar o uso de meios digitais de pagamento, como vem ocorrendo em
outros países.
A nota de 500 euros, por exemplo, que era uma das
cédulas de maior valor no mundo, deixou de ser produzida. Foi em 2016
que o Conselho do Banco Central Europeu decidiu que os países deveriam
deixar de produzi-las até 2019. Os dois últimos do bloco a fazerem isso
foram Áustria e Alemanha, em abril do ano passado.
'Malas de dinheiro'
Outra
crítica à decisão anunciada pelo Banco Central foi que isso facilitaria
crimes como a lavagem de dinheiro. O Banco Central respondeu dizendo
que o Brasil tem um "arcabouço contra lavagem de dinheiro extremamente
elevado" e que isso "não depende" do valor das cédulas.
Para
Terra, trata-se de uma "crítica irônica". "A pessoa que faz o ilegal vai
tentar lavar dinheiro de toda forma. Serão necessárias menos malas para
carregar o mesmo dinheiro agora, pelo múltiplo maior. Mas não é a nota
que induz o crime."
Lobo-guará e os memes
O Banco Central explicou a escolha do lobo-guará com base em
uma pesquisa feita em 2001 para escolha de animais para novas cédulas.
Os dois mais votados, tartaruga marinha e mico-leão-dourado, foram
utilizados, respectivamente, nas cédulas de R$ 2 e de R$ 20. O terceiro
foi o lobo-guará.
E o lobo-guará já apareceu em moeda brasileira.
Entre dezembro de 1993 e setembro de 1994, estampava a moeda de 100
Cruzeiros Reais. (BBC News Brasil)
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