terça-feira, 28 de julho de 2020

Pequenos gestos, grandes atitudes


Caminhamos, implacavelmente, para 100 mil mortos. Uma tragédia inimaginável e uma perda irreparável. O número, no entanto, é muito menor do que seria se tivéssemos adotado a eugenistica e genocida imunidade de rebanho a respeito da qual não se sabe o percentual, ou mesmo, se existe. E não se chega a ela sem um latifúndio de mortes, muitas delas evitáveis, pois, o sistema de saúde entra em colapso.
A sobrevivência a essa pandemia para os 80% assintomáticos, é tranquila; para os 20% sintomáticos, é um delicado equilíbrio entre imunidade, tempestade inflamatória, velocidade de aparecimento dos contagiados, tamanho e expertise da rede de saúde. E para que a rede se expanda e a ciência aprenda, o distanciamento social é fundamental.

Já se tornou cansativo repetir que ele alonga a curva, embora insistam em negar os exaustivos dados que estão em todos os noticiários e um excelente estudo publicado na Nature, com sequenciamento genético do vírus, que mostrou que o contágio caiu de 3, para 1, ou 1,6, no Brasil, após as medidas não farmacológicas de combate a pandemia.
É preciso rebater outro sofisma inconsistente que repete o bordão: estava em isolamento e se contaminou, fique em casa, para morrer. Chega a ser abjeta a manipulação. Nunca li, em nenhum lugar, que isolamento impediria, totalmente, que alguém se contaminasse, pois, quase nunca há isolamento total. Sempre há interação. O que se reduz é a probabilidade. É o inverso da loteria. No jogo, quanto mais cartelas você aposta, maior a chance de ganhar. No distanciamento, é o contrário.
Um derradeiro sofisma apela dizendo que a maioria das contaminações dos confinados, foi em casa. É claro. Isso é amostra populacional. Como a esmagadora maioria está em casa, o número de contaminações - feitas por quem veio da rua- será maior na população confinada, mas essa será sempre menor do que se todos estivessem nas ruas ao mesmo tempo.
O distanciamento social tem funções específicas: alongar a curva de aparecimento dos casos de modo que ela não leve o suporte de saúde ao colapso, permitir a ampliação de leitos, compra de insumos, testes ( o que o Brasil, não fez), treinamento da rede. Além disso, ele permitiu que fosse adquirida expertise sobre a doença, pelos profissionais, melhorando as intervenções e sobrevida. Foi assim que tivemos tempo de aprender sobre as fases da doença (I, IIa, IIb, 3, 4), as terapêuticas adequadas a cada uma delas, reconhecermos a utilidade da dexametasona, desistirmos da entubação precoce, aprovarmos o redemsavir, reconhecermos a inutilidade da cloroquina em casos graves, moderados e leves, restando provar o uso ainda mais precoce, descobrirmos o papel dos distúrbios da coagulação.
O tempo permitiu avançar em todos esses – e outros- conhecimentos, modificar a forma de tratar a doença levando a um fundamental impacto na sobrevida dos pacientes, e ainda está nos dando a chance de criar a vacina. Evidente que a medida que a pandemia vai se deslocando, ela abre a possibilidade de retomada da economia nos locais por onde ele já teve seu pico.
É por isso que precisamos agradecer a cada um que contribuiu, participou, ficando em casa, o possível. Muitas pessoas estão salvas graças ao gesto, anônimo, mas fundamental de manter o distanciamento, isolamento, quarentena, toque de recolher, lockdown, ou o que foi necessário.
Reconhecer o esforço de quem não se deixou iludir pelos arautos do apocalipse econômico que sugeriam que podia haver economia sem saúde. Não são apenas os médicos e agentes de saúde que estão sendo heróis, nessa luta. Cada um de vocês foi um gigante no seu pequeno gesto de recolhimento. Eu os reconheço.

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