segunda-feira, 19 de outubro de 2020

O professor

    O destino do mestre é tornar-se desnecessário. Esse é seu legado. Porque um mestre verdadeiro, ao fim, terá doado aos seus alunos os saberes– régua e compasso- para que eles se ergam como os gigantes que desejem ser, não lhe restando nada a ser entregue. Essa é a permuta primordial, afinal, ninguém vai ao longe sem subir nos ombros de muitos, ninguém ergue catedrais, sem alicerce.
 
    Ensinar é um despovoar de si mesmo, desfolhando a memória, a alma, as emoções, para que um outro saia da rasura em que nasce. É desse gesto de recriar, polir, inscrever, clarear, o universo e o escuro que cerceia o crescimento, que se faz o ensino. Como uma mãe que amamenta, um adulto que demonstra, um idoso que aconselha, um oráculo que anuncia, um professor, após outro professor, vai erguendo a base, a pedra, sobre a qual cada um vai firmando sua estrutura, sua sobrevivência.
    Esse fio que começa no primeiro chamado e vai até a descoberta mais extrema, exige que muitos se debrucem em doação, esforço, em uma lavoura arcaica- afinal, o ensino é o mesmo desde que o primeiro humano transmitiu algo a outro-, mas de extraordinários resultados.
 
    Embora pareça um remador de águas mansas e cativas, o professor, em verdade, é um revolucionário, pois desarruma as certezas consolidadas substituindo-as por um poder questionador, inconformado, movedor de montanhas, que é o conhecimento. Ele é sempre um anunciador de liberdades, pois, o que não sabemos, não dominamos, não pensamos, é nossa maior prisão. 
 
    A ignorância é um aceiro que impede a realização de uma vida plena, e impõe que se viva limitado ao que se pode ter, ao invés, do que se deseja ter. O professor permite a ruptura de realidades aparentemente imutáveis, e essa ruptura é fundamental para o aperfeiçoamento, e o livre exercício das escolhas.
 
    Professores guardam um inventário interminável de superação, e de luta, contra a falta de prioridade com que a educação é tratada, o que acrescenta um certo ar de epopeia ao que deveria ser só o cumprimento de um dever. Verdade que há desvios do ofício, e molestadores mentais se arvoram de professores esquecendo a ética da responsabilidade que não permite que ele utilize o simbolismo de sua figura e seu saber contra quem não está instrumentalizado para o enfrentamento, para dirigir o pensamento de alunos, a serviço de crenças ou ideologias. Não que se exija neutralidade absoluta- de todo, impossível-, mas que se busque o equilíbrio da informação e diversidade, em detrimento da pregação instrumentalizada. Um aluno que recebe informação límpida, qualificada, e noções corretas de valores humanos, dificilmente se desviará do caminho da honra, do respeito a lei, ao indivíduo, e a democracia.
 
    Na educação pública brasileira- em significativa parcela, uma farsa estrutural- o professor torna-se um fazedor de milagres, e para sempre, necessário, porque ela nunca se completa..

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