segunda-feira, 22 de janeiro de 2018

Como a Bahia virou uma potência do marketing político



Cinco anos após o fim da ditadura militar, o político baiano Antônio Carlos Magalhães, o ACM, encarou uma missão que parecia difícil. Em meio a forte campanha contrária, ele tentava voltar ao posto de governador - dessa vez pelo voto popular, e não por indicação dos militares.
Alguns dos ataques mais ousados vinham do publicitário Geraldo Walter, que, aos 33 anos, chefiava a campanha do empresário Luiz Pedro Irujo, candidato do PRN. Inspirado no filme O Grande Ditador (1940), em que Charles Chaplin satirizava Adolf Hitler, Walter bolou uma peça em que o papel do führer cabia a um sósia de ACM, que brincava com uma bola com as cores da bandeira baiana.
Em vez de negar a fama de autoritário, a campanha de ACM buscou retratá-lo como uma figura multifacetada. Valendo-se da influência do candomblé no Estado, a equipe coordenada pelo marqueteiro Fernando Barros produziu um comercial em que ACM era chamado de "negro de pele branca" e comparado a Oxumaré - orixá com feições múltiplas, ao mesmo tempo homem e mulher, calmo e irascível, rico e generoso.

ACM venceu a eleição no primeiro turno, e a disputa se tornou um marco na história do marketing político brasileiro. Quatro anos depois, em 1994, o marqueteiro vencedor e o derrotado se uniriam em prol da candidatura de Fernando Henrique Cardoso à Presidência, inaugurando uma era de domínio baiano em campanhas eleitorais no país, que perdura até hoje.
Desde aquela eleição, marqueteiros baianos chefiaram todas as campanhas vitoriosas para presidente da República no Brasil e várias no exterior. O êxito da dupla Walter-Barros em 1994 seria repetido nos anos seguintes por Nizan Guanaes, Duda Mendonça e João Santana.
Às vésperas da próxima eleição, porém, a primazia do grupo está ameaçada por escândalos de corrupção, que envolveram alguns dos seus principais expoentes e os afastaram da política.

Revolução tecnológica
Fernando Barros diz que a campanha de ACM alçou o marketing político brasileiro a um novo patamar de qualidade técnica.
"Usamos as tecnologias mais avançadas e trouxemos os melhores profissionais de cada área: diretores de TV, fotógrafos, técnicos de áudio, de maquiagem, de figurino. Foi uma grande novidade", lembra Barros, presidente da agência Propeg.
Em parceria com Geraldo Walter e com o também baiano Nizan Guanaes, Barros replicou a estratégia na campanha de FHC - eleito em primeiro turno, embalado pelo sucesso do Plano Real.
Walter morreu de câncer aos 41 anos, a seis meses antes do pleito presidencial de 1998. A direção da campanha de FHC à reeleição ficou com Nizan, que voltaria a assessorar políticos tucanos em eleições seguintes.
Afastado de disputas eleitorais há mais de uma década, o baiano se tornou um dos principais nomes da publicidade brasileira. Um assistente de Nizan afirmou que ele estava viajando e não poderia dar entrevista.

Primeiro marqueteiro baiano
Fernando Barros atribuiu o sucesso de baianos no marketing político a fatores históricos. Ele afirma que, desde que Salvador foi capital do Brasil, entre 1549 e 1763, tornou-se terreno fértil para profissionais das letras, como jornalistas, publicitários e escritores.
Para o publicitário, o primeiro marqueteiro político do Brasil foi o poeta soteropolitano Gregório de Matos (1636-1696). "Ele na prática fazia campanhas, porque atacava governos, era remunerado, era advogado. Viveu das palavras, da maneira eloquente com que colocava suas ideias."
Apelidado de Boca do Inferno e Boca de Brasa por suas críticas ácidas, Matos foi deportado pela Coroa portuguesa para Angola e voltou ao Brasil pouco antes de morrer, aos 59 anos.
Barros diz ainda que, como a Bahia nunca teve um setor industrial forte, as agências de publicidade do Estado tiveram de se aproximar do governo e de políticos para sobreviver.
Autor de 18 livros sobre marketing eleitoral, o paulista Carlos Manhanelli diz que as agências de São Paulo, eixo do mercado publicitário brasileiro, nunca se destacaram como as baianas nesse meio por um cálculo de custo-benefício.
"Campanhas envolvem ideologia, e os clientes têm ideologia, então, as agências perdem clientes quando entram em campanha."
Para o cientista político pernambucano Antônio Lavareda, publicitários baianos devem parte de seu sucesso ao caldo cultural em que se criaram, o mesmo que deu origem a ícones da cultura popular brasileira, como Maria Bethânia, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Dorival Caymmi e Gal Costa.
"É natural que a Bahia, que tem referências culturais muito associadas a raízes populares e à música, tenha gerado profissionais com pendor para uma comunicação bastante emocional, que é a que tem dado mais certo na política." Leia matéria completa no BBCBrasil

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