Isabella
sempre quis jogar futebol na escola, mas só a vontade nunca foi suficiente.
Precisava passar pelo crivo dos meninos antes de entrar na quadra: ela pedia
para jogar, eles faziam uma rodinha para debater se deixariam ou não. Muitas
vezes, Isa tinha que se contentar em ficar só assistindo.
Já Ana Luiza
insistia até que os meninos cedessem - se vinham com o papo de que "ali
não entrava menina", ela não arredava o pé da quadra. Só que entrar no jogo
não significava estar no jogo, e Ana amargou um tempo sem conseguir tocar na
bola, pois eles não a passavam para ela. Até que a menina provou sua habilidade
e virou presença constante no futebol do bairro - e também nome constante nas
fofocas dali ("Menina-macho, aquela ali vai ser sapatão com
certeza.")
A história de
Juliana foi um pouco diferente. Os meninos conheciam sua habilidade e, todo
dia, tocavam a campainha de sua casa para chamá-la para o futebol. Mas a mãe
não gostava muito da ideia e, para impedir a menina de jogar, passou a delegar
para ela as tarefas da casa. "Você só vai descer depois que lavar a
louça", dizia.
Com a ajuda
do irmão mais velho - que também queria jogar com ela -, Juliana acabava o
serviço rapidinho e logo ia para a rua. No dia seguinte, a mãe insistia.
"Agora vai ter que lavar a louça e varrer o chão" - e a parceria com
o irmão se repetia. "Hoje é a cozinha toda." Até que a mãe desistiu.
E Juliana se tornou Ju Cabral, a capitã da primeira medalha de prata do Brasil
no futebol feminino na Olimpíada de Atenas (2004).
No caso de
uma menina de Dois Riachos (AL), teve tudo isso e um pouco mais. Quando chegou
para disputar o campeonato da região com os meninos, acabou barrada: não
deixaram inscrever uma menina. Hoje, ela é Marta, cinco vezes eleita a melhor
jogadora de futebol do mundo.
Toda menina
que já jogou - ou tentou jogar - bola já vivenciou uma das situações acima. No
Brasil, que é conhecido por ser "o país do futebol", as mulheres
chegaram até mesmo a serem proibidas por lei de participarem do jogo. Por quase
40 anos - de 1941 a 1979 -, se elas fossem vistas jogando futebol, poderiam ser
levadas para a delegacia.
"Às
mulheres não se permitirá a prática de desportos incompatíveis com as condições
de sua natureza, devendo, para este efeito, o CND baixar as necessárias instruções
às entidades desportivas do país", determinava o Decreto-Lei 3.199 do
Conselho Nacional de Desportos (CND) que proibiu mulheres de praticarem o
futebol, entre outras modalidades.
O que é o #100Mulheres?
A série
#100Mulheres, da BBC (100 Women), indica 100 mulheres influentes e inspiradoras
por todo o mundo anualmente. Nós criamos documentários, reportagens especiais e
entrevistas sobre suas vidas, abrindo mais espaço para histórias com mulheres
como personagens centrais.
Neste ano, a
BBC está desafiando mulheres ao redor do mundo a proporem soluções para quatro
problemas globais relacionados ao sexismo.
No Brasil, o
tema trabalhado será "sexismo no esporte", focado principalmente no
futebol. A partir desta segunda-feira, o #TeamPlay sediado no Rio terá uma
semana para inventar, desenvolver e entregar um protótipo - uma solução em
tecnologia, um design inovador ou uma campanha - para apoiar as mulheres nos
esportes e combater as atitudes sexistas que podem impedir o seu avanço.
Acompanhe a cobertura em facebook.com/BBC100women
e no site da BBC Brasil.
Histórico
A justificativa para a proibição teve até embasamento científico,
segundo Silvana Goellner, pesquisadora de gênero e educação física na
Universidade Federal do Rio Grande do Sul. "Teve um parecer médico na
época que colocava as mulheres no espaço da fragilidade e sobretudo da
maternidade - a missão de toda a mulher na época era ser a mãe do futuro da
pátria", explica à BBC Brasil.
"Afirma-se que a 2ª delegacia auxiliar está decidida a acabar de
vez com o futebol feminino... Para isso, serão fechados todos os clubes dessa
especialidade. Está aí uma notícia magnífica. O futebol feminino, como esporte,
é desaconselhável e, como passatempo, perigoso e nocivo", dizia a nota do
jornal Diário de Notícias Esportivo, do Rio de Janeiro, em fevereiro de 1941.
A proibição não significou o fim da prática do futebol por mulheres no
Brasil, mas a tornou invisível na história.
"A despeito da proibição, as mulheres continuaram fazendo. Só que
não podiam ser registradas suas conquistas, elas não poderiam aparecer
oficialmente nos registros das federações. Isso deu uma invisibilidade na
história das mulheres no esporte. Elas estavam, mas não aparecem. Só que o
silêncio não significa ausência", afirma Goellner, que foi responsável por
garimpar a história do futebol feminino no Brasil para inseri-la em 2015 no
Museu do Futebol, que fica no estádio do Pacaembu, em São Paulo.
"Nós achamos algumas coisas em notícias do futebol feminino (sendo
citado) como espetáculo de circo, algumas coisas de delegacia de polícia, casos
em que a polícia chegou para encerrar um jogo de futebol. Mas, principalmente,
a gente só conseguiu mapear informações por causa das jogadoras", conta.
"Os clubes não têm registros, a CBF (Confederação Brasileira de
Futebol) não tem registro. A presença da mulher no futebol é anulada, como se
ela não existisse. E aí anula também o desejo de quem quer se inserir no
futebol. Se as meninas não têm em quem se inspirar, fica difícil."
Por tudo isso,
não se sabe exatamente quando o futebol feminino começou a existir no Brasil.
O registro mais recorrente sobre a primeira partida noticiada na
imprensa é de 1921, entre as equipes de Tremembé e do Cantareiras (bairros de
São Paulo).
Mas a
modalidade só foi regulamentada oficialmente em 1983 - quatro anos depois de
ter caído o decreto-lei que proibia a prática.
"Esse decreto só vai cair no fim dos anos 1970, por força das
mulheres", conta Goellner. Click aqui e leia mais no BBCBrasil.
2 comentários:
banner pref feira?
banner da pref feira
???
está sem?
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