Coisas em estado
líquido assumem o formato do recipiente que as contém. Como água, chumbo
derretido, lágrimas de universitários e, é óbvio, gatos muito peludos (Tudo
bem, na verdade eles não são líquidos. Mas dá para argumentar que a cena
abaixo se enquadra na descrição).
Na outra ponta da escala, carros,
prédios e as demais coisas em que você bate em vez de afundar são consideradas
sólidas. E essa divisão bem simples da realidade basta para a maioria de nós.
Não basta, porém, para Edgar D. Zanotto. O físico e engenheiro de
materiais da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), em São Paulo, dedicou
seus 41 anos de carreira acadêmica a estudar um dos únicos materiais do mundo
que não é nem uma coisa nem outra: o vidro. E agora publicou um artigo científico
inteirinho dedicado a encontrar uma definição ideal para essa pedra no sapato
das aulas de física. Conclusão?
“O vidro é um estado da matéria que não é
cristalizado e não está em equilíbrio, que parece sólido em uma escala de tempo
curta mas relaxa continuamente rumo ao estado líquido.”
Complicado? Pois é, eu também
achei. Mas é fácil de entender. Vamos por partes.
Questão de ordem
Apesar da identidade dupla do
vidro abrir espaço para a paranoia, quase tudo que você acha que é sólido é
sólido mesmo. Acontece que há alguns sólidos que representam a classe
particularmente bem: os monocristais.
Se você tivesse um microscópio
bom o suficiente para observar um monocristal (como um diamante, uma safira ou
uma esmeralda) em escala atômica, você descobriria que as moléculas dessas
pedras preciosas são tão organizadas quanto um batalhão de soldados soviéticos.
Tudo se encaixa em um padrão geométrico tridimensional, que se manifesta
inclusive em escala macroscópica. Um bom exemplo é esse imenso (!) cristal
de fosfato de monopotássio – tão perfeito que é
quase terapêutico para quem tem TOC. Não dá para ser mais sólido do que
isso.
Um líquido, por
outro lado, é malemolente. Suas moléculas lembram mais cidadãos em uma estação
de metrô às seis da tarde – uma massa de gente que preenche cada cantinho do
vagão, quase de maneira uniforme. Essas pessoas têm bastante energia e não
ligam de mudar de posição. Também não fazem questão de andar seguindo uma
lógica coerente.
E é aí que o
vidro fica estranho: de longe, ele parece ser rígido e organizado como os
militares russos. De perto, porém, suas moléculas na verdade estão soltas como
as de um líquido, mas congeladas em suas posições aleatórias.
Como se a estação de metrô todinha estivesse brincando de estátua.
“O vidro é um
líquido que foi resfriado até congelar. Mas suas moléculas continuam
distribuídas de maneira desordenada, como o líquido que o gerou”, explicou
Zanotto à SUPER. “Em altas temperaturas, o vidro flui facilmente. Em
temperatura ambiente, ele também pode fluir. Mas isso levaria muitas eras
geológicas.” Em outras palavras, para um vidro escorrer até assumir a
forma de seu recipiente sem uma ajudinha do calor,
ele precisaria ter sido colocado lá antes da época dos dinossauros.
Para manter a
analogia, é como se as pessoas brincando de estátua começassem a se mexer
involuntariamente. Uma hora, alguém vai mudar a perna de apoio. Outro alguém
vai pegar o celular. Afinal, nenhuma dessas pessoas-átomo está organizada em
perfeito equilíbrio termodinâmico, como acontece com um cristal. Com o passar
do tempo, elas acabam escorrendo. Mas põe tempo nisso!
Se o vidro não é exatamente sólido, ele pode realmente se solidificar?
Pode. Basta
submetê-lo a processos térmicos específicos, que fazem suas moléculas se
organizarem na forma de cristal. O resultado são materiais
vitrocerâmicos – que são sólidos definitivos, e não
meros congelados. Eles são mais caros e resistentes que o vidro comum, e têm
algumas aplicações práticas: servem de matéria prima para o tampo preto dos
fogões elétricos cooktop, para dentes artificiais e para os
espelhos de telescópios muito, muito grandes. (Super Interessante)
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