sexta-feira, 16 de novembro de 2018

Médico só, não é sistema de saúde


César Oliveira
O assunto já me cansou, mas leio em vários lugares a acusação: médicos brasileiros não quiseram ir atender em determinados locais, pois, são ricos e coisas similares. É dessas afirmações calcadas no emocional contra os médicos, sem uma análise adequada.
Então queria lembrar alguns aspectos: médico NÃO TEM que ir a qualquer lugar, atender em qualquer condição. As pessoas acham - e o governo transferiu essa culpa-, que basta ter um diploma e uma caneta e faremos ressuscitação cardio-pulmonar, daremos diagnósticos de endocardites e mielomas, leucemias e identificaremos sofrimento fetal. NÃO É ASSIM que funciona. Às vezes, até com todos os recursos não fechamos diagnóstico, não sabemos o que está acontecendo. Eu mesmo, dentro de minha especialidade, por vezes não sei, e tenho que contar com muitos recursos para fechar um quadro e monitorizar uma terapêutica. Somos médicos e não mágicos.

Todo profissional, ou a maioria, sente-se frustrado em não poder fazer uma conduta, ou saber um diagnóstico. Vamos parar de pensar que todo mundo é imoral ou isso dará direito a pensar que vc é imoral também. Temos peso na consciência se erramos.
O médico sem condições de apoio, está fazendo uma roleta russa, exposto a processo ( e posso relatar vários e ainda é menos do que os problemas que acontecem), e a sensação de culpa. Estou numa cidade grande e por vezes me sinto amargamente frustrado e violentado em não poder fazer o que devo ou preciso nas unidades públicas. Imaginem em uma situação de absoluta penúria. O risco da lei e o risco moral, da consciência, de saber que alguém morreu nas suas mãos porque você não pôde fazer nada.
Acontece que, a lei, ao você se justificar dizendo que não havia um desfibrilador na unidade não quer saber. O médico é o RESPONSÁVEL. Um sistema de saúde compreende o médico e infra-estrutura para que ele possa intervir. Submeter o médico a ser não mais que um curandeiro é uma selvageria com o profissional e com quem é iludido pelo poder que diz que está lhe dando assistência de saúde.
A frase seguinte, nas discussões, é que os cubanos vão. Sim, vão, sem o peso da lei, e sob a mão pesada da ditadura.
Não estou falando sequer das trapaças dos prefeitos que não pagam ou trocam os médicos de acordo com o interesse político. Já vivi todas essas situações e tenho vários ex-alunos que já passaram por isso. Isso, também, não afasta o médico ruim ou irresponsável, que existe, como em todas as áreas.
Acontece que, na forma como é dito, parece que governo oferece o paraíso e o os médicos, por egoísmo, preferem o fruto proibido. É uma análise muito rasa, se feita dessa forma
Veja as reais condições que o governo oferece: estabilidade, aparato técnico, atualização, suporte para intervenções, garantia de pagamento e, aí, sim, com tudo atendido vamos apontar o dedo.
Menos que isso é panfletagem e ressentimento.

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