sábado, 28 de outubro de 2023

 

Autocrítica

                     A bondade de certa Rosa, com inicial maiúscula como convém – minha finada revisora textual - ao percorrer o jardim mal ajambrado de minhas flores, abelhas e corredores - com extrema delicadeza alertou para descuidos e senões meus, enquanto jardineiro, na organização de meus floridos canteiros.

           Envaidecido, pela mesma classificar-me por razoável cultivador da flor do Lácio, houve por bem antecipar-me a quanto, imagino, sejam algumas de minhas deficiências. 

Sem ter formatura superior em Língua Portuguesa, fui intenso missivista de mesmices, corri mundo e belo dia, escritor convertido em pretenso plantador de jacarandás. Sei como ninguém, jamais os verei chegar às nuvens. 

Agradecido, pelo privilégio da rosa-rara florir no jardim de meus pensares, alertei meus gêmeos castanhos para não se embriagarem por vaidades e queiram ver na maçã desvirginada por minha mordida, a fruta provada pela primeira Eva. De além a aquém, imemoriais tempos nos separam. O então maçã, ao singelo balanço das pálpebras, talvez não mais o seja. 

Empenho-me na busca da precisão verbal, valho-me, ocasionalmente expressões veementes - flores raras - para definir sentimentos justos, mas evito-as quando porventura, comprometam o bom gosto. 

Mesmo tendo em conta muitos considerarem pedantismo, vez em quando curto o emprego de vocábulos rebuscados, raros ou regionais, desconhecidos do grande público. Para mim, trata-se de recurso para atingir estilo próprio, não jornalístico nem coloquial. Faço-o para alertar quanto à riqueza do idioma frente ao comodismo da maioria, anos a fio sem consultar um dicionário. Nem todas flores, a todos agradam. 

No campo da pontuação, costumo produzir anomalias botânicas ao apartar a flor e caule – leia-se sujeito e verbo – com certa frequência. Desvarios causadores de eventuais distorções no sentido da frase, facilmente captáveis por quem leia com a devida atenção. 

Onde reside a causa do erro? Sirvo-me, mentalmente, de recurso-cacoete aprendido como se estivesse a redigir para um locutor radiofônico. Ao cursar jornalismo, finais dos anos 80 – curso inconcluso por haver transferido residência para o interior – na disciplina ‘Rádio’, aprendera a editar as notícias para a locução. Em lugar de vírgulas e quejandos, empregavam-se barra simples; em vez do ponto final, barra dupla. Além disso, ou seja, das barras em função da pontuação, outras mais eram acrescidas tendo em conta as pausas respiratórias do locutor. Assim, mal costumei-me ao escrever, fazê-lo na cadência de uma locução radiofônica e, volta e meia, prodigalizo o uso da pontuação. Erva daninha em meio aos canteiros. Às vezes, também incido em indevida duplicidade. Ao destacar um aposto explicativo – como agora – imponho desnecessárias vírgulas. 

A palavrinha “se”, em dados momentos, soa como indesejada flor. Que flor é essa? Pronome ou conjunção? 

Tentarei explicar a duvidosa escolha. Entre os vários empregos da palavrinha, um a considera “partícula de realce ou expletiva”. Em tal caso seria possível retirar-se o pronome da oração, sem ocorrer alteração do significado. Penso (digo “penso”), posto não ser versado em tais sutilezas, seu emprego, em determinados momentos, enquadrar-se-ia em tal caso. Ao menos em meu sentimento – enquanto escritor – isto se me acontece. Certo ou errado? 

Passemos ao canteiro da harmonia cromática, importante detalhe relativo à concordância verbal. Um dilema persegue-me ao labutar com o emprego das segunda e terceira pessoas do singular. 

Vezes há, nas quais, distraído, valho-me dos dois tratamentos no mesmo texto, com a maior naturalidade do mundo. Explico, a fonte da incorreção da qual penitencio-me, sem com tanto justificá-la: fui criado no estado gaúcho, em tempos quando ‘Tu’ era o tratamento na interlocução íntima.

 Anos após, com o advento da televisão, o Você coloquial popularizou-se, superpondo-se ao Tu até então dominante. Eu, apesar de distante de onde nasci há mais de meio século, ainda guardo as velhas sementes, por descuido, volta e meia deitadas à terra. Falha da qual me redimo, malgrado ao migrar o Tu à tona, hora ou outra, aplicar a flexão verbal na terceira pessoa. Um descalabro! 

Por último - o passeio já vai longo - rápido olhar quanto às flores semeadas com abusiva frequência. A aliteração (¹) em busca da eufonia; a anástrofe, (²)para não incidir no hipérbato (³) e a diáfora, (⁴) vocábulos gêmeos, homógrafos ou homófonos, embora em sentidos diversos. 

Dúvidas? Destaco uma.

A flor alusão, (⁵) como apresentar a intercalação de texto de terceiros? Em itálico ou entre “aspas”? A norma é válida para autores nacionais e estrangeiros? 

“Artimanhas” do escritor?

Contornar o “queísmo”: suprimir, quando seja possível, o vocábulo ‘que’ por palavras como “tal”, “certo/a”.

Ser comedido no emprego do gerúndio. (“gerundismo”)

Examinar os pronomes indefinidos empregados e, quando possível, eliminá-los.

Evitar o uso casado do artigo definido com o pronome possessivo. O mais das vezes, a simples eliminação do artigo, eleva a qualidade da escrita.

Reduzir, ao máximo, o emprego da palavra “não”.

Privilegiar o verbo haver ao verbo ter.

Limitar o emprego de pronomes possessivos. 

Ler, ler, ler, ler.

Plantar, plantar, plantar, plantar. 

Bem, alonguei-me em demasia.

Mas, como sirvo-me de qualquer oportunidade ou assunto para redigir um texto...

Abraços.
  Aliteração – Repetição do mesmo som ou sílaba em mais de duas palavras, dentro do mesmo verso, estrofe ou poema. A repetição, no geral, dá-se em sílabas ou fonemas iniciais. Quando a repetição se dá no final, chamamos de eco. A aliteração é caracterizada por recorrer em fonemas consonantais. Contudo, pode ocorrer em fonemas vocálicos. Porém, ao contrário do que pode supor-se, o fenômeno não se dá entre letras e sim entre sons. Daí seu efeito onomatopaico que pode levar à eufonia, como resultado positivo, e à cacofonia, como resultado negativo.

2.     Anástrofe – Figura de construção, postula a inversão da disposição natural das palavras, principalmente quando visa ao estilo e, no geral, na poesia. Ao contrário do hipérbato, a anástrofe, por ser suave, não nubla o sentido da ideia.

3.     Hipérbato – Figura de linguagem, caracteriza-se por uma inversão violenta na ordem natural de uma frase, em geral provocada pela introdução, na frase, de elementos com colocação alterada.

4.     Diáfora – Figura de retórica. Consiste na repetição da mesma palavra com diferente sentido, como nesta frase: neste ponto pus ponto ao discurso.

5.     Alusão – Designa um recurso estilístico que consiste em uma referência a um texto literário dentro de outro texto. Assim, sua função principal é dar maior densidade a personagens ou a certas partes do texto, procurando desta forma dar maior significação e maior profundidade de conteúdo do que o expresso pelas palavras. Espera-se que com isso traga-se à mente do leitor a memória de outro contexto que, se conhecido, lhe dará uma compreensão adicional e mais ampla do sentido do texto.





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