segunda-feira, 6 de março de 2023

Crônica de segunda


Preguiça

A preguiça é a causa de muitos males que assolam a humanidade. Entre os Maias, um dos povos mais evoluídos da antiguidade, a preguiça era punida com a morte. Um ser preguiçoso é, antes de tudo, desrespeitoso para com os seus semelhantes e para consigo mesmo. Um preguiçoso deixa sempre para depois o que pode e deve fazer agora, apostando na solidariedade humana para receber de graça o que não fez o menor esforço para obter. Ele se nutre do trabalho dos outros. “Ora, porque vou me esforçar se tenho quem se esforce por mim”. Na verdade, é um ladrão. Com a diferença de que o ladrão rouba ou toma a força o que pertence aos outros, mas o preguiçoso apenas pede na esperança de ser atendido. É um pedinte, um mendigo.

         Uma das três virtudes cristãs é a Caridade, muito confundida com esmola. Isso acontece porque Caridade é amor ao próximo, o grande ensinamento cristão de “amar ao próximo como a si mesmo”. Quem ama cuida, e não permite que nada falte ao seu semelhante. Mas isso tem regras, precisa de cuidados. Não é o caso de se sair por aí dando graciosamente o que nos custou obter. Embora esteja um pouco em desuso nos dias atuais, há pessoas imbuídas de amor próprio. Para estas pessoas, receber uma esmola causa constrangimento, vergonha. Por isso, até para oferecer alguma ajuda, dar alguma coisa, um simples presente que seja, é preciso antes observarmos se a pessoa, alvo da nossa boa ação, merece, necessita ou quer aquela doação. Observe, pergunte, analise bem a situação para evitar constrangimentos para si e para o seu próximo. E quando der alguma coisa, o faça com desprendimento, sem cobrar gratidão ou favores em troca. Jesus achou curioso que dos dez leprosos curados, apenas um voltou para agradecer. Mas não os repreendeu. Conhecedor profundo da alma humana, ele sabe que somos assim. Deixamos de agradecer pelas dádivas recebidas por vários motivos, mas a vergonha é o principal deles. Não se trata de soberba, mas apenas do fato de nos sentirmos constrangidos porque, por algum motivo, não fomos autossuficientes e precisamos da ajuda de outras pessoas. “Doutor, uma esmola para um homem que é são, ou lhe mata de vergonha ou vicia o cidadão” ´Cantava Luiz Gonzaga.

         Quando digo que não dou esmolas, há quem me recrimine, mas eu não me importo, sei que estou fazendo a coisa certa. Quer dinheiro? Faça alguma coisa por merecer que eu lhe recompenso na justa medida. Minha mulher sempre lembra o fato de que deixei que engraxassem meus sapatos cinco vezes numa noite. É que estava num bar e toda hora chegava um garoto diferente querendo engraxar meus sapatos. Eles não estavam me pedindo nada, estavam me vendendo serviços. E mesmo sem necessitar, eu comprei apenas como forma de ajuda-los. E todo mundo ficou feliz. Se me pedem água eu dou, posso até repartir um alimento, se for o caso, mas prefiro fazer doações a instituições sérias que cuidam dos necessitados. Já comprei ferramentas e equipamentos para que pessoas pudessem trabalhar, ajudei a construir moradias, socorri sempre quem necessitava. Mas esmola, pura e simples eu não dou.

         Agindo dessa forma, combatemos a preguiça e a esperteza de quem tenta se aproveitar da boa vontade dos seus semelhantes.

NE: Publicada no livro Soltando as Amarras (2015)

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