segunda-feira, 27 de março de 2023

Crônica de segunda

 Cescé

 O cantor Cescé é o sujeito mais desligado deste mundo. Certo dia ele e o compositor e músico Alcivando Luz, que era tão desligado quanto ele, acertaram um show numa cidade. Saíram de Feira para fazer o show e encontraram o clube fechado. Procuraram o diretor social que os contratou e foram reclamar com cara de poucos amigos. “Pô! Como é que você cancela o show e não avisa nada pra gente”? Calmo e irônico, o diretor esclareceu: “Não cancelei o show não amigos, vocês e que chegaram com um dia de atraso”.

Já em outra oportunidade, ele havia montado uma banda e acertou um show, também para uma cidade vizinha a Feira. Quando chegou lá tava tudo fechado. Ele desceu do ônibus e foi procurar o contratante. Encontrou o cara num bar, bebendo com amigos e este, quando o viu, ficou surpreso: “Ué! Você por aqui?”  É que Cescé chegou com a banda uma semana adiantado.

Mas ele é assim mesmo. Calmo e desligado. Uma vez, na praia, ele se meteu a surfar. Só que quando ele levou a prancha para pegar uma onda, em vez de seguir em direção à praia, as ondas o levavam cada vez mais para alto mar. Ele tentava remar com as mãos, mas as ondas o puxavam de volta. Os amigos, percebendo o que acontecia, gritaram pra ele: “Tenha calma, Cescé!”. E ele, tranqüilo: “Eu tô calmo, o mar é que está nervoso”.

Mas o seu talento lhe valeu um convite para uma temporada na Itália, com a cantora Rosa Baiana. No dia da partida, Caguto foi leva-lo ao aeroporto. Já saíram daqui atrasados, é claro. E quando chegaram, o avião já estava se dirigindo à pista. Foi um sufoco pra conseguir embarcar Cescé no vôo internacional. E nessa lida, ele acabou fazendo amizade com um co-piloto e, numa escala em São Paulo, ele foi ao bar tomar chopp com o co-piloto. Conversa vai, conversa vem, ele disse que estava indo para a Itália. Surpreso o rapaz lhe avisou que o avião já estava saindo. Cescé, surpreso e assustado, ainda questionou: “Ué! Mas você não é piloto, não vai junto?” O rapaz explicou que ali começava sua folga, que outro assumira o seu lugar, e justamente por isso estava bebendo, o que não faria se fosse pilotar. Foi outra zorra pra embarcar Cescé.

O avião fez outra escala na Alemanha, onde haveria baldeação. Césce, que saiu daqui vestindo uma camiseta, um bermudão e sandálias, enfrentou um frio de quatro graus abaixo de zero. Tiritando, tentava encontrar o portão de embarque. Sem entender patavina de Alemão ou Inglês, ele tentava se comunicar e não conseguia. Até que descobriu uma moça atrás de um balcão onde se lia: “Informations”. Aí ele perguntou:

-     “Moça, onde é que eu embarco no avião que vai pra Itália?”

-          Do you speak English?

-          Ô, moça. Eu só sei falar nordestino.

Depois de muita confusão, na base do “Portunhol” ele se fez entender e conseguiu embarcar. Chegando na Itália, o pessoal do aeroporto o pegou pelo braço e conduziu até uma seleta, onde lhe serviram água, cafezinho e até um lanche, enquanto conferiam seus documentos. A cantora Rosa Baiana, que deveria pegá-lo no aeroporto, estava atrasada e Cescé não entendia nada do que o pessoal lhe perguntava.

Quando finalmente a cantora chegou, conversou com o pessoal do aeroporto e, depois, levou Cescé pra casa. No caminho, Cescé comentou:

-          Simpático esse pessoal daqui. Nem me conheciam e me trataram tão bem, até lanche me deram. Gostei.

-          É Cescé, só que aquele pessoal é do serviço de emigração, e já estavam providenciando deportar você de volta para o Brasil.

NE: Publicada no livro A Levada da Égua (2004)

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