segunda-feira, 17 de julho de 2023

Crônica de segunda


Eu não estou aqui

         Assisti o vídeo de uma palestra de Mário Sérgio Cortella e ela falava sobre o poeta Mário Quintana, que teria mandado escrever em seu túmulo a frase “Eu não estou aqui”. Teorizando sobre o epitáfio do amigo que mandou colocar no próprio túmulo: “Eu não estou aqui”. Certamente que não. Quando muito ali estarão alguns restos mortais. Seu espírito já tomou uma direção, mas ele certamente continua vivo na memória dos seus amigos, fãs e admiradores. Sua obra, seu pensamento, sua essência humana permanece viva naqueles que se lembram dele diariamente. Assim sendo, ele é um imortal. Estão mortos aqueles que passaram pela vida sem que ninguém percebesse, aqueles que não são lembrados nem pelos seus familiares, porque pelo pouco ou nada que realizaram poderiam muito bem nunca terem existido.

         Ao ouvir as palavras de Cortella me veio imediatamente à mente a lembrança do meu amigo Carlos Augusto Brito, Caguto para os íntimos. Caguto era um músico de uma cidade do interior da Bahia, que tocava guitarra numa banda local que animava bailinhos aos sábados. Quando a banda se desfez, enveredou por outros caminhos e se aposentou deixando para a família uma fábrica de vestuário de verão. A partir dali dedicou-se puramente à música e o entretenimento próprio e dos amigos, mas o seu modo de ser e de pensar, contagiava a todos. Quando me reúno com amigos comuns, a toda hora alguém lembra de alguma frase dele ou de alguma estadia engraçada com ele. Esse, para mim, é um imortal.

Usando palavras do próprio Cortella, só morre quem é esquecido. “Enquanto alguém lembrar de você, derramar uma lágrima de saudade, cheirar uma roupa que você deixou. Sentir o aroma de uma comida que você fazia, rir de uma lembrança engraçada, assobiar uma música que você assobiava. Você continua vivo”. Para viver nos outros, ainda segundo Cortella, é preciso ser importado para dentro das pessoas. Elas precisam importar você pra dentro delas. E faz uma ressalva: Não confundir ser importante com ser famoso. Há pessoas que são famosas, mas que quando morrem logo são esquecidas e outros famosos tomam seus lugares nas mentes das pessoas.

O importante mesmo é aquele que faz alguma diferença na vida dos outros. Quantas pessoas, sem barulho, sem propaganda, cuidam de outras pessoas e fazem a diferença na vida delas. Não precisa ser rico nem famoso, mas apenas ser solidário e amparar seus semelhantes atingidos por algum acidente no percurso das suas vidas, que as deixaram desamparadas. Estas pessoas jamais se esquecerão daquelas mãos amigas que as ampararam. Elas continuarão vivas em suas mentes, depois que partirem. Só morre quem é esquecido. No final do vídeo Cortella lembra uma frase dita por Madre Tereza de Calcutá, que me remeteu a uma época, lá pelos idos dos anos 70/80, quando virou moda no Brasil dondocas ricaças adotar crianças africanas sob o pretexto de que passavam fome. Enquanto isso, crianças brasileiras passavam fome nas favelas do Brasil e não despertava tanta atenção. É claro. Como sempre, para os cretinos, “produto” importado dava mais “ibope do que o nacional. Disse Madre Teresa: “Amar quem está longe é fácil. Difícil é amar o próximo”.

NE: Publicada em julho de 2021

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