sábado, 23 de maio de 2009

Crônica da semana


Minhas viagens com Pipiu

Pipiu Bahia apareceu na minha infância e cismou de ser meu padrinho de Crisma, talvez pensando talvez com isso angariar mais respeito. Agora vê lá se eu sou do tipo que pede a benção, e logo a quem, ele um ateu convicto. Eu acho que quando ele viu que eu era um caso perdido, resolveu me ensinar a atirar e me fez seu parceiro de caçadas. E foi assim que a aventura começou.
Foram longos anos de viagens pelo interior da Bahia afora, e até em Minas Gerais a gente fez estrago na população de perdizes, codornas nambus e afins. A cada viagem uma nova história engraçada pra contar, como o que aconteceu na cidade de Nanuque, em Minas Gerais. Fomos convidados por Regina, então mulher de Tonheiro, para caçar na fazenda do seu cunhado Marcelo. O que a gente não sabia é que Regina inventou a caçada para arrumar carona e participar da festa de aniversário de casamento de sua irmã. Perpétua.
Assim, partimos numa manhã de inverno, Pipiu, eu, Regina, Tonheiro e dois cachorros perdigueiros, estes acomodados no bagageiro interno da Caravan, o que os deixava em contato direto conosco. Como chovia e os vidros ficavam fechados, vez em quando a gente tinha que fazer uma parada de emergência e abrir as portas para respirar, pois não tinha quem agüentasse os peidos dos cães.
Chegando em Nanuque, cidade pequena porém decente, e altamente provinciana, nos instalamos confortavelmente num apartamento nos fundos da casa, que o casal gentilmente nos ofereceu. Como a viagem era de caçada, só levamos roupas e botas velhas de guerra, além de bermudas, camisetas e sandálias para descanso.
Quando saímos do apartamento, demos de cara com uma mesa ricamente ornamentada e uma intensa movimentação de garçons e outros empregados. Foi um vexame. Mas o casal livrou a nossa cara, explicando aos convidados empertigados em seus smokings e vestidos longos, que nós estávamos ali para caçar e não sabíamos da festa. E foi assim que fomos admitidos à mesa do evento.
Conversa vai, conversa vem, Pipiu começou a discutir com Regina, feminista convicta. Outras mulheres entraram na discussão e, quando eu dei por mim, ele já discutia com cinco delas ao mesmo tempo. Os maridos, mineiros, não diziam palavra e só esboçavam um sorriso matreiro no canto da boca, de quem gostaria muito de dizer o que Pipiu dizia mas não tinha coragem.
Ele ia vencendo a discussão com seu jeito galhofeiro de ser, e ao final só uma das mulheres ainda sustentava seus argumentos, alegando que mulher pode fazer tudo que um homem pode. Pode, não pode, Pipiu matou a discussão, dizendo vou lhe provar que não. Tirou a camisa e desafiou sua oponente a fazer o mesmo. Vencida pelas mazelas do seu sexo, ela só pode baixar a cabeça, resignada, enquanto a gente ria.
Uma outra vez viajamos eu ele e André Mascarenhas (que não caça nada, mas gosta do pagode), para uma caçada em Lafayete Coutinho e Iramaia. Em Lafayete não tinha caça e resolvemos seguir logo para Iramaia. Foi aí que cometi o erro de cortar caminho pelas estradas vicinais, em vez de voltar e retomar a rodovia. Nos perdemos.
Às 15 horas a gente ainda tava perdido, com uma fome desgraçada e o carro acabando o combustível. Finalmente uma alma boa nos deu a direção certa, mas a gente já estava escaldado de tanta informação errada e tantos desvios. Foi quando vi um velho vindo pela estrada, carregando um saco às costas, um típico caboclo do lugar. Eu disse: Piu, pergunta àquele velho se estrada é esta mesmo.
Ele parou o carro na margem da estrada e gritou para o velho que estava do outro lado: Meu velho! Bom dia! Esta é a estrada de Maracás.
O velho perguntou: Santa Terezinha?
Já deu pra notar que o velho era surdo como uma porta. Aí o diálogo ficou hilariante. André, no banco de trás, deitava e rolava dando risada. Pipiu tentava explicar ao velho de que não éramos do lugar, que a gente não conhecia nada ali, mas o velho não escutava o que ele dizia e ainda argumentava: “O sinhô tem qui passá na casa de seu Neco Pire, senão o sinhô tá perdido. Vorte, vá na casa de seu Neco Pire...”
Quando Pipiu viu que não adiantava nada conversar com o velho, resolveu se despedir. Estendeu a mão e gentilmente agradeceu:
“Obrigado meu velho, vá tomar no cu”.
E o velho ainda agradeceu:
“Se Deus quiser, sim sinhô”.

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