Catorze Estados brasileiros
apresentam atualmente tendência de queda no número de internações
hospitalares ligadas à pandemia de covid-19. Cientistas ouvidos pela BBC
News Brasil e informações da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), que há
anos gerencia o principal monitoramento de casos de doenças
respiratórias do país, indicam que essa queda se deve às medidas de
distanciamento social.
Por outro lado, o Distrito Federal e
outras seis unidades da federação registram um aumento das
hospitalizações. Segundo a Fiocruz, que analisa semanalmente esses
dados, todas as regiões do país ainda se encontram na zona de risco e a
flexibilização do isolamento pode elevar o número de infectados.
São
mais de 315 mil internações de janeiro a junho deste ano, segundo dados
do InfoGripe, que monitora os casos de covid-19 e outros tipos de
síndrome respiratória aguda grave (srag). Esse número supera o ano de
2009 inteiro durante a pandemia de H1N1 (202 mil).
- os 14 Estados com tendência de queda ou sinais dela: Amazonas,
Amapá, Ceará, Espírito Santo, Mato Grosso, Pará, Paraíba, Pernambuco,
Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Santa Catarina, São Paulo e
Tocantins.
- os 6 Estados com estabilização ou sinais dela: Acre, Alagoas, Bahia, Goiás, Maranhão e Roraima.
- as 7 unidades federativas com tendência de alta ou sinais dela: Distrito Federal, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraná, Rio Grande do Sul, Rondônia e Sergipe.
Essas análises foram feitas pela Fiocruz com base em
registros de casos de síndrome respiratória aguda grave entre 7/6 e
13/6 — a covid-19 corresponde a 98% dos registros. Em geral, 13% dos
pacientes infectados com o novo coronavírus precisam ser internados,
sendo 30% deles na UTI.
A Associação de Medicina Intensiva
Brasileira (Amib) fez um levantamento de dados de 16 mil pacientes de
323 unidades de saúde privadas e 129 públicas de março a maio. Segundo a
entidade, o tempo médio de internação de alguém infectado por covid-19 é
de dez dias e 34% desses pacientes ficam ali mais de uma semana na
unidade de terapia intensiva. A cada 100 pessoas internadas, 58 são
homens, 44 têm mais de 65 anos e 74 têm comorbidades. Um quinto dos
pacientes da UTI acaba morrendo.
O número de mortes por srag
também está pelo menos dez vezes maior do que a média histórica, afirma a
instituição. Estima-se que 75 mil pessoas tenham morrido de srag neste
ano. Isso representa 29 mil mortes a mais do que apontam os dados
oficiais de covid-19 — 46 mil óbitos —, que vem sofrendo com
subnotificação por falta e atraso de testes.
Segundo a Fiocruz, se
uma autoridade quiser tomar decisões sobre reabrir o comércio ou fechar
tudo, por exemplo, com base nesses dados, deve levar em conta também a
taxa de ocupação dos leitos hospitalares. Afinal, “o número de novos
casos semanais de srag ainda se encontra elevado mesmo nos Estados que
apresentaram queda”.
Números estaduais podem não refletir
situações distintas como queda em parte dos grandes centros urbanos e
avanço em cidades no interior.
Atualmente, ao menos 8 Estados
apresentam taxa de ocupação de leitos UTI acima de 80% em 17 de junho:
Acre, Alagoas, Espírito Santo, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Roraima e
Sergipe. Veja abaixo o mapa.
Mas esses números podem variar rapidamente. O
principal hospital de Roraima (HGR) e seu anexo, por exemplo,
registravam oficialmente 71% de lotação no dia 7/6. Uma semana depois, estavam com 110% da capacidade.
Além disso, Estados enfrentam situações graves em parte dos hospitais ou das cidades.
No
Rio Grande do Norte, a taxa de ocupação geral é de 80%, mas 10 dos 12
hospitais das redes privadas e públicas envolvidos no combate à pandemia
estão com 100% das camas hospitalares ocupadas, segundo dados do
governo estadual.
No Ceará, a taxa de ocupação das UTIs caiu de
91% em 24/5 para 72% em 17/6. Mas sete hospitais estão com mais e 95%
dos leitos ocupados, como o Hospital Regional Norte, em Sobral, que está
completamente lotado.
Governo Bolsonaro não sabe quantos leitos estão ocupados
Em
menos de uma semana, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que os
cidadãos deveriam invadir hospitais para expor leitos vazios; disse
também que ninguém morreu por falta de camas hospitalares no país
durante a pandemia de covid-19.
A primeira afirmação de Bolsonaro parece refletir a
falta de dados e informações sobre o assunto. Até agora, o país não tem
um dado nacional consolidado sobre a utilização dos leitos de UTI. Desde
abril, durante a gestão Mandetta (no comando do Ministério da Saúde), o
governo Bolsonaro tenta reunir dados sobre o número de leitos para
traçar estratégias, mas ainda não conseguiu concluir seu censo
hospitalar.
Os números têm sido divulgados de forma desordenada
pelos Estados — alguns com atualizações diárias e outros com
notificações esporádicas e incompletas sobre as taxas de ocupação. Uma
realidade bastante diferente da de outros países, como a Alemanha, por
exemplo, que disponibiliza na internet os índices de cada unidade de
saúde.
Segundo Estados e municípios, faltaram leitos durante a
pandemia e, atualmente, há diversos hospitais lotados em vários cantos
do país.
Em nota, o Ministério da Saúde brasileiro afirma que o
painel de monitoramento de leitos foi lançado há quase um mês (com dados
incompletos, acesse aqui neste link)
e que vem discutindo frequentemente com gestores estaduais, municipais e
de unidades de saúde sobre a importância dessas informações para que “o
Ministério da Saúde consiga planejar, ser efetivo e ainda mais
assertivo em sua tomada de decisão”. Até agora, 484 dentre 1.001
unidades de saúde se inscreveram no sistema da pasta.
Quanto à
segunda afirmação de Bolsonaro, não há dúvidas de que a falta de leitos
de UTI e respiradores levou a mortes de pessoas no país. Em meados de
maio, por exemplo, a BBC News Brasil publicou uma reportagem com o relato de cinco médicos
sobre a falta de estrutura de saúde em Pernambuco. "Não havia
respirador disponível... Manejamos com o que tínhamos e fazendo medidas
de conforto em paralelo. Ele faleceu após 3 horas, roxo por falta de ar,
em frente à equipe”, contou uma médica generalista que trabalha em UTIs
e UPA em Olinda.
A taxa de ocupação de leitos hospitalares é um dos principais
indicadores utilizados por autoridades para decidir se contratam leitos
da rede particular, autorizam a reabertura de shoppings ou montam
hospitais de campanha, por exemplo. O Amazonas decidiu fechar uma dessas
unidades e o Acre, abrir uma delas.
Além disso, um dos
principais fatores para qualquer previsão sobre a demanda futura por
leitos de UTI é o patamar de adesão popular ao distanciamento social.
Marcelo Gomes, pesquisador em saúde pública da Fiocruz e coordenador do
InfoGripe, afirma que os lugares que reabriram o comércio tiveram alta
nos casos.
“Do ponto de vista epidemiológico, flexibilização das
medidas de distanciamento social facilitam a disseminação de vírus
respiratório e, portanto, podem levar a uma retomada do crescimento do
número de novos casos”, diz o boletim mais recente da Fiocruz.
Se
houver novamente uma explosão de casos, o sistema de saúde pode entrar
em colapso, como já aconteceu neste ano em Estados como Amazonas e
Pernambuco.
Segundo dados do Ministério da Saúde, há 18.564 leitos de UTI adulto do SUS e 15.754 na rede privada.
De
acordo um dos principais modelos matemáticos usados pela Casa Branca
para tomar decisões, feito pela Universidade de Washington, haverá falta de leito no país como um todo no fim de julho,
caso essa situação se mantenha como está (ou seja, não haja nenhuma
mudança significativa no distanciamento social). Mas como todas as
variáveis elencadas neste texto, esses números variam bastante de uma
semana para outra, e de um lugar para outro. (BBC News Brasil)
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