Foi um daqueles feriadões inesquecíveis. Era Carnaval e a casa, como sempre, tava botando gente “pelo ladrão”, como se costuma dizer. Até o jornalista José Carlos Pedreira, o Zé Coió, estava por lá. Logo no primeiro dia, parou uma caminhonete na porta da casa e João Bostinha disse: “Cristóvam, vamos ali”. Subimos, eu e Maura na carroceria da caminhonete que enveredou pela estrada de Bom Jesus dos Pobres. No meio do caminho entramos numa casa grande e seguindo o som de uma sanfona, chegamos ao quintal da casa onde já estava uma turma de amigos ouvindo Dida tocar. O “conjunto” estava formado: Dida na Sanfona, João Bostinha no violão, um triangleiro, Severino e eu nos vocais. E tome Luiz Gonzaga. De onde eu estava vi quando o dono da casa chegou na porta da cozinha que dava para o quintal, com uma garrafa de alguma coisa que não identifiquei. Ele parou, olhou, ouviu, e voltou para dentro de casa, retornando em seguida com uma garrafa de Uísque White Horse envelhecido e colocou em nossa mesa. Ele gostou e nós mais ainda. Aí a cantoria correu solta até o dia começar a clarear.
Só deu tempo de tirar um cochilo, porque por volta das 9 horas eu já procurava algo pra mastigar. Comi alguma coisa e fiquei andando em volta da casa aguardando a programação do dia, quando ouvi um casal discutindo. A mulher não queria tratar a arraia que o marido comprara de um pescador pensando em comê-la no almoço. Vendo a frustração dele e doido que sou por uma moqueca de arraia, me prontifiquei a tratá-la. Aquele negão alto, forte, estampou um sorriso cheio de brilhos metálicos e me questionou: “Tu tratas mesmo”? Claro cara, sou pescador. Tô acostumado. Foi a primeira arraia que tratei na minha vida, mas ficou bem tratada. E no almoço pintou uma moqueca deliciosa.
A partir daquele dia começou uma bela amizade. Barraco gostava de pescar e fizemos muitas pescarias juntos. A gente descobriu que tinha amigos comuns e a nossa trupe de pescaria era muito divertida. Tinha os que pescavam de rede, os que pescavam de anzol, e um que gostava de tratar os peixes, temperar e assar ou cozinhar. Sempre ficava bom, principalmente para acompanhar as cachaças mineiras ou de infusão. E não faltavam estórias de pescadores em volta da fogueira, e que faziam todo mundo rir. Numa noite de lua cheia, estávamos acampados à beira de uma represa na fazenda de um amigo meu, e enquanto a gente bebia umas e outras com tira gosto de peixe, e contava estórias, um cachorro uivou numa colina próxima. Alguém questionou: O que foi isso? E eu, vendo a oportunidade de zoar com a turma, disse que era um filhote de lobisomem amigo meu, que morava numa casa velha do outro lado da colina. Alguns riram e outros ficaram calados.
Havia, há cerca de um Km, uma venda onde os trabalhadores da fazenda se reuniam para beber e jogar dominó. Eu quis ir até lá e perguntei se alguém iria comigo. Estranhamente, ninguém quis ir, e olha que havia alguns “viciados” no jogo. Fui sozinho mesmo. Na volta, um dos trabalhadores resolveu ir comigo até o acampamento para tomar uma cachaça com tira gosto de peixe. Fomos andando e conversando pela estrada. Quando chegamos bem próximo ao acampamento, todos que lá estavam correram e entraram nos carros. Só quando nos aproximamos da fogueira eles começaram a sair, meio desconfiados. E eu perguntei: O que foi? Só então soube que pensaram que eu estava vindo em companhia daquele tal filhote de lobisomem, que seria meu amigo.
Barraco foi acometido de um câncer, que o levou precocemente. Mas antes disso ele me deu provas do quanto ele era meu amigo. Mas essa é uma estória que contarei outro dia. Prometo.
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