segunda-feira, 29 de maio de 2023

Crônica de Segunda

 

Ser jovem é saber envelhecer?

          Falando por mim, eu responderia que sim. Porém, para envelhecer feliz precisamos da solidariedade, compreensão e ajuda dos familiares e amigos. É verdade que afora o problema com a visão, de resto eu gozo de boa saúde, enquanto muitas pessoas sofrem de diversas moléstias ou se quer chegaram aos sessenta anos. Eu vejo, porém, que muitos dos que chegaram a terceira idade não estão vivendo felizes.

         As razões são várias. Desânimo, isolamento, falta de incentivos e motivações, depressão, e muitos outros sentimentos causados pelo fato de não saber envelhecer ou não se conformar com a velhice. Velhos são chatos. São cheios de manias, vivem a dizer que tudo que era bom era no seu tempo, são repetitivos vivendo a contar histórias das suas aventuras, façanhas e conquistas. E porque não falam a mesma língua dos jovens, são solenemente ignorados pela maioria deles.

         O que é preciso para ser feliz na terceira idade? Respondo por mim. Ocupação, dentro das minhas capacidades, para manter minha cabeça ativa e que me dê prazer. Companhia de amigos, da minha idade ou mais jovens ou mais velhos do que eu, desde que nos sintamos bem na companhia um dos outros. Celebrar a vida, seja em eventos para idosos, viagens, ou em simples mesas de bar bebendo sucos ou refrigerantes diets, comendo petiscos com pouco ou nenhum sal, doces sem açúcar e jogando conversa fora. Contando piadas e, principalmente, mentindo muito, afinal, ri é sempre um excelente remédio. 

         A minha parte eu tenho feito. Mas, é com os amigos que eu ando preocupado. Eu digo sempre que os tenho encontrado mais em velórios do que em festas. E até os pequenos eventos que programamos, na maioria das vezes, são descartados com as mais estapafúrdias desculpas. Recentemente quis fazer uma festa para casais acima de 50 anos, com o simples objetivo de reencontrar velhos amigos para com eles celebrar a vida. Este evento talvez não aconteça.

         Certo dia comentei com alguns familiares e amigos de uma pessoa da nossa cidade que estaria prestes a fazer aniversário. Sugeri que fizéssemos uma festinha intima, familiar, para fazê-lo sentir-se lembrado, querido e feliz. Liguei algumas vezes para reforçar a sugestão, mas, não houve resposta afirmativa. Um amigo me disse que havia programado uma festa surpresa para um amigo comum e eu estava convidado. Contudo, ele desistiu da festa sem maiores explicações. E assim é. Pensa-se, programa-se e desiste-se. Voltando para o isolamento solitário.

         Amigos meus disseram-me certa vez que o médico havia proibido o seu pai, de 60 anos, de beber. Eu, que conhecia e era amigo do velho, disse-lhes que isso, ao contrário do que o médico previa, iria encurtar a sua vida. E foi o que aconteceu. Privado do seu único prazer, o velho entristeceu, isolou-se, foi para uma cadeira de rodas e morreu. Recentemente convidei um velho amigo para almoçar. Durante o almoço ele bebeu algumas doses de cachaça, o que o deixou “de fogo”, mas, não embriagado. Ele não deveria beber, segundo recomendações médicas, mas, ele estava tão feliz que não tive coragem de recriminá-lo. Sei que vou morrer, não sei de que forma, se doente ou com saúde, mas, vou morrer, e quero morrer feliz.

 NE: Publicado no livro Mas eu lhe disse...  (2015)

NA: Escrevi esse texto há 10 anos e de lá para cá muita água rolou debaixo da ponte. Mas, não mudaria uma vírgula do que eu escrevi. Ouso dizer que hoje moro em Riachão do Jacuípe (terra de Maura Sérgia) para onde viemos em busca de uma tranquilidade que Feira de Santana já não nos oferecia. Continuei vivendo a minha vida conforme os meus princípios. Reunindo-me com amigos, bebendo e contando estórias. Em suma: fazendo sempre tudo o que gosto e que posso. Perdi a visão mas, isso não me abalou. Quem esperava que eu me recolhesse e entristecesse, quebrou a cara. Com a ajuda de minha companheira vou para onde quero e faço o que posso e quero fazer. Não penso na morte porque ela nunca me preocupou, é uma amiga de infância e quando chegar estarei preparado para recebê-la. Assim, continuo o mesmo.

Plagiando Zé Coió (o imorrível) ca,ca,ca,ca,ca....

 

Um comentário:

Anônimo disse...

Uma maneira simples e sincera de expor o dia a dia de hoje.... tbem tenho sentido este afastamento das pessoas, não de mim, da vida... estão sem ânimo, como se estivesse esperando a morte chegar e chegará pra todos... mas quero tbem morrer feliz. Então, bora viajar e fazer o que a mente é o físico permitem até a hora de partir...sei lá quando.....