sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Crônica da Semana


No escurinho do cinema

Muitos dos relacionamentos estáveis que ainda vejo hoje em dia, tiveram começo no escuro, seja dos cinemas, de ruas desertas ou até mesmo em portões de casas, onde as lâmpadas dos postes de iluminação eram devidamente quebradas a badogadas. Quem da minha geração não pagou, ao menos uma vez na vida, a um moleque de rua para quebrar a lâmpada do poste em frente à casa da namorada?
É verdade que muitas donzelas se perderam nestes escuros, mas também é verdade que muitas outras encontraram, nestes mesmos escuros, os amores das suas vidas. Na maioria dos casos, a gente só queria mesmo era “tirar um sarro”. Um beijo mais ardente, um amasso aqui, uma “mão boba” acolá, e depois a gente ia se aliviar nos bregas, que ninguém aqui tem sangue de barata.
O meu namoro com Maura, com quem vivo há 26 anos, também começou no escuro. Não do cinema, mas do laboratório fotográfico do jornal em que trabalhávamos, e onde fomos com ACM (não o político, o fotógrafo), revelar as fotos que tínhamos feito minutos antes, na nossa confraternização anual de fim de ano. A gente já vinha se paquerando há algum tempo e, com uma a mais na cabeça, foi uma deixa pra que eu roubasse um beijo.
Mas o escurinho do cinema era imbatível. Lembro-me que havia até uma escala, não oficial, dos freqüentadores dos cinemas de Feira de Santana. Os sábados eram dos jovens e adolescentes e os domingos eram das crianças. Os dias da semana eram divididos. As tardes eram reservadas aos amores escondidos, e as noites eram dos casais, das famílias. Eram famosas as matinês das segundas-feiras, no cine Santanópolis, onde os amantes se encontraram e ficavam ali, namorando. Os homens mascando chicletes e as mulheres chupando drops de anis e “otras cositas mas”.
Mas tudo tinha que ser feito com muito cuidado porque o lanterninha não dava folga. O danado sabia o que rolava lá dentro e bem que podia deixar os casais em paz. Mas, talvez para justificar o seu salário (afinal, ele era pago para zelar pela moral e os bons costumes), volta e meia estava lá, de lanterna em punho, tentando flagrar um casal mais assanhado.
Eu tenho um amigo que quase deixa um lanterninha maluco com um truque simples. Ele fechava a mão esquerda, e com os dedos indicador, médio e anular da mão direita, ele batia entre os dedos da esquerda, produzindo um ruído que parecia o de alguém se masturbando. Ele trocava de lugar sempre, e o lanterninha ficava doido, pra lá e pra cá, tentando flagrar o tarado.
As matinês de meio de semana eram uma terapia sensacional para aliviar o “estresse” diário, embora esta palavra ainda não existisse. A gente ficava ali, namorando escondido, soltando piadas, perturbando o lanterninha, aliviando as tensões. Cinema sempre tem os gaiatos, que assistem ao filme várias vezes e fazem piadas com as cenas que já viram. Algo assim como uma artista famosa, que vai embarcar num avião e vira-se para a platéia jogando um beijo. O gaiato, que já viu a cena, grita antes dela se virar: “Meu beijo”!
Ainda tem aqueles que soltam “cordões cheirosos”, levam caroços de milho ou feijão para atirar na cabeça dos outros com uma borrachinha de amarrar dinheiro, e outras perturbações mis. Eu já dei boas risadas dentro de cinemas. Já namorei muito, já perturbei muito, me diverti muito. Ah! Ia me esquecendo. Ainda tem o filme, né?
Mas um episódio ocorrido numa matinê de segunda-feira no cine Santanópolis, nunca me saiu da memória. Foi o seguinte: Era praxe nós, homens, levarmos um lenço no bolso, porque ele tem mil utilidades. Uma delas, era justamente conter o jato de esperma, quando a namorada estava nos masturbando.
Alguém, que eu acredito tenha sido desatento, que não tivesse lenço, ou sofresse de ejaculação precoce, sei lá, foi o pivô da história. O certo é que, de repente, ouviu-se um grito no meio da sessão, que fez acender todas a luzes (cruzes!): “Que merda! Quem é que tá batendo punhêta aqui”?
Quem falava era um sujeito que tinha na parte posterior da cabeça e na palma de uma das mãos, uma coisa pegajosa.

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