quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Bule Bule, um bastião de resistência da Cultura Popular



Bule Bule é o nome artístico de Antônio Ribeiro da Conceição, 62 anos, 43 anos de carreira, nascido em Antônio Cardoso, em 22 de outubro de 1947, quando o município ainda se chamava Tinguatiba.

Foi lavrador, ajudante de padeiro e encarregado de lançamento de concreto em grandes empresas. Mas a arte estava no sangue e não demorou para que se manifestasse e ele abandonasse tudo para botar o pé na estrada da cantoria.
Bule Bule é também o nome popular do casulo de um tipo de lagarta que se encontra na terra úmida dos monturos. As crianças gostam de apanhá-lo nas mãos para vê-lo rodopiando, como se quisesse apontar alguma direção. Do casulo nasce uma linda borboleta. Segundo o artista, o apelido de bule Bule surgiu quando ele ainda era criança.
"O senhor Ademário Lopes era o dono de uma padaria e gostava de trabalhar com meninos. Para ele era bom, porque a gente trabalhava como adulto e ganhava como criança. Eu mesmo trabalhava com dois animais. Pela manhã cortava a lenha e fazia duas cargas. Ia pra casa almoçar, e voltava para cortar mais lenha e fazer mais duas cargas", conta ele.
"Um dia a gente achou que tava ganhando pouco e resolvermos fazer uma greve. O dono da padaria então disse que não precisava fazer greve, que ia fazer um teste e, quem passasse, ia passar a ganhar mais. Assim sendo, mandou preparar massa com 30 quilos de farinha de trigo e jogou na "masseira", que era a máquina de bater a massa de pão. Quem conseguisse tirar o bolo de massa da masseira, passava no teste. Mas a massa estava grudada e ninguém conseguia levantar o peso. Nem mesmo o Joel, que era um rapaz de 17 anos, e bem forte, não conseguiu apanhar a massa. Mas tinha um padeiro que gostava de mim, que desgrudou a massa e passou farinha de trigo nela, deixando-a solta. Eu passei farinha nas mãos e nos braços e consegui levantar a massa e colocar na mesa. Foi aí que alguém disse: Esse moleque é que nem Bule Bule. Não cresce não, só faz se transformar. Ele é pequeno mas, é velho". Surgiu assim o apelido que o acompanharia por toda a vida

VIDA DE ARTISTA

Depois da padaria Bule Bule foi trabalhar como "calceteiro", que são aquelas pessoas que trabalham no calçamento de ruas com paralelepípedos. Após fazer um curso sobre Lançamento de Concreto, foi trabalhar como encarregado na Companhia Hidroelétrica do São Francisco (CHESF) e, depois, na construtora Soares Leone, em Camaçari.
"Mas meu pai e minha mãe faziam novenas em nossa casa, e depois da parte religiosa tinha sempre uma festa profana, onde meu pai tocava pandeiro e cantava tiranas, reis, cantigas da roça, e também sambava. Era um brincante. Como eu tinha o dom, ele me incentivava, e eu fazia tudo o que ele fazia. Depois, caminhando pelo mundo, eu abracei a arte, através da literatura de cordel e da cantoria de repentes com viola. Como músico eu sou muito fraco, toco apenas o suficiente para me acompanhar (por conta da hemodiálise, não pode mais tocar pandeiro). Eu tiro ritmos passando uma colher num prato, que não exige muito esforço no braço", explica ele modestamente.

OBRA E PARCERIAS

Bule Bule tem quatro livros publicados e está lançando uma coletânea. Tem seis CDs gravados, sendo três de cantoria e três com outros ritmos musicais, com chula e samba de roda. Tem também gravado um DVD e um documentário (Bule Bule Vai ao Cinema), contando a história da sua vida. Já fez shows na Alemanha, Estados Unidos, e participou do evento "Brasil no Ar", em Barcelona, na Espanha.
"Eu estou satisfeito com o que já produzi até aqui. Criei dignamente meus 11 filhos, sendo que a caçula tem 19 anos e canta com ele nos shows, sempre acompanhados pela banda Cacimba Nova. Na década de 80 mantinha um grupo chamado "Um Punhado de Cultura Popular", com pandeiro, flauta e viola. Mas os sonhos não param", diz ele.
Ele já cantou 12 anos com Zé Pedreira, com quem gravou um disco, "Cantadores da Terra do Sol". Depois cantou com Lucas e com Zeca de Oliveira Há 20 anos faz parceria com Antônio Queiroz, com quem já gravou alguns CDs. "Nosso roçado é de meia", diz Queiroz, aludindo ao fato de que pouco ou muito, o resultado do que produzem é sempre dividido entre os dois.
A dupla iniciou recentemente uma temporada tendo como convidado o cantador paraibano, Zé Viola. A primeira apresentação foi no restaurante Casa do Sertão, depois em Camaçari e novamente em Feira de Santana, no Mercado de Arte Popular, juntamente com o cantador feirense, Caboquinho. "Canto, toco prato, ajudo os parceiros na cantoria, sambo, dou umbigada, cheiro rapé, bebo água, e, se sobrar, um cafezinho eu também bebo", brinca Bule Bule.

ANTÔNIO QUEIROZ
Parceiro de Bule Bule há 20 anos, o serrinhense Antônio Queiroz diz que "primeiro, é necessário haver união. Da união nasce a confiança. E juntando essas duas coisas é que nosso trabalho tem dado resultados nestes 20 anos de parceria, Eu nasci no povoado de Ladeira, no município de Serrinha. (hoje o povoado pertence a Barrocas, desmembrado de Serrinha). Ao contrário de Bule Bule, que teve pai que tocava e cantava, o meu pai nem canta nem assobia. Eu tenho alguns irmãos com talento pra música, mas não quiseram ou não tiveram coragem de abraçar a carreira, como eu fiz. 34 anos de carreira", diz ele.
"Tudo começou no povoado de Ladeira, no bar de Zé de Lica, que apostou em mim, e realizou uma cantoria no bar. Eu já andava agoniado pra começar a cantar. Acho que se não começasse ia ficar louco. Mas, graças a Deus, tudo deu certo, e de lá para cá não parei mais de cantar", revelou.

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