O senado canadense aprovou a regulamentação da maconha para uso
recreativo por 52 votos a 29. A maioria relativamente folgada reflete a
própria opinião pública canadense: ano passado, 68% da população
aprovava a medida. Mas qual deve ser o efeito dessa legalização para
quem não mora por lá? Na minha opinião, é o que faltava para outros
países começaram a levar realmente a sério a hipóteses de legalizar a
erva.
O Uruguai regulamentou primeiro, em 2013. Mas, embora tenha sido o
primeiro “laboratório da legalização” mundial, sua experiência não tem
tanto potencial de influenciar outros países. Pequeno, pouco populoso e
geograficamente isolado, ele não seria a prova que políticos de outros
países gostariam de ver para considerar a legalização. Mesmo que ela se
mostre bem sucedida para a saúde e a segurança pública do país no longo
prazo.
Outros marcos importantes, com potencial de influenciar políticas no
exterior, foram os estados americanos que legalizaram a erva. Atualmente
são nove deles. O primeiro foi o Colorado, em 2014, e o maior deles, a
Califórnia. Nos Estados Unidos, o argumento econômico a favor da
legalização tem sido relevante e atraído muitos olhares. A indústria da cannabis
legalizada já é um negócio bilionário. Mas isso tampouco é suficiente
para trazer outros países para o debate, porque é complicado comparar
políticas estaduais com regionais. E afinal porque os Estados Unidos
mesmo, em nível federal, ainda nem consideram legalizar.
Já o Canadá e sua lei sobre maconha têm várias características que
podem torná-los uma referência séria para políticos, legisladores e
acadêmicos ao redor do mundo. Como o Uruguai, eles são um país sujeito
às convenções internacionais de drogas, mas, diferentemente do nosso
vizinho, são uma nação com muito poder político – rica, desenvolvida,
integrante do G7.
Outra diferença importante é que trata-se de um país muito mais
populoso – 36 milhões de habitantes – e vizinhos dos Estados Unidos –
que certamente vai ficar de olho bem aberto na alfândega. Ou seja, se as
coisas derem certo no Canadá, não vão poder dizer que a experiência não
serve de referência por não envolver uma grande população ou questões
de fronteira relevantes. Então, a experiência do Uruguai pode até ser
inócua como argumento a favor da legalização. Já a do Canadá, o mundo
inteiro tende a levar a sério.
Além disso, o Canadá tem uma coisa que sobra na Califórnia mas falta no Uruguai: um mercado interno bilionário de cannabis
para uso recreativo. O número de usuários de maconha maiores de idade
em 2021 será de 6,7 milhões – o que corresponde a toda a população do
Uruguai. Se nossos vizinhos vendem maconha a US$ 1 por grama, no Canadá o
preço médio é de US$ 8, segundo estudo do Marijuana Bussines Daily.
A partir desses dados, estima-se que o mercado chegue a US$ 5 bilhões
em 2021. Para se ter uma ideia, isso é quase dez vezes mais que as
vendas de vinhos brasileiros, que faturam cerca de US$ 500 milhões por
ano, segundo estatística
do Ibravin. É uma conta provocante para os políticos quando pensam em
orçamentos e impostos. Mas e quando eles pensarem na conta dos
hospitais?
No quesito saúde pública, o Canadá também tem tudo para se tornar um
laboratório formidável. Como a maioria dos países desenvolvidos, eles
monitoram de perto oscilações no consumo de drogas lícitas e ilícitas,
bem como o impacto disso no sistema de saúde, de justiça e de segurança.
É um prato cheio para epidemiologistas. Logo, qualquer mudança no
padrão de consumo de maconha, de internações e de outros problemas
associados ao consumo serão facilmente percebidos e contabilizados para
se colocar no outro lado da balança.
Resta ver qual será o resultado da experiência em si. Meu palpite é
que vá acontecer mais ou menos o que já acontece em outros lugares que
também legalizaram: uma alta sutil no consumo entre adultos, uma queda
no consumo entre jovens (causada pela redução da oferta no mercado
ilegal), nenhum impacto significativo para a saúde pública, aumento da
receita do governo com impostos e a criação de uma indústria geradora de
renda e de empregos legais. Se daqui a cinco anos tudo isso se
confirmar, quem sabe até o Brasil legalize a maconha. (Super Interessante)
Nenhum comentário:
Postar um comentário