domingo, 9 de dezembro de 2018

Vida de repórter

Jorjão é um repórter obstinado na procura da notícia, mas também muito afoito. Às vezes, entra em “fria”, por conta do seu atabalhoamento. Eu já contei aqui sobre quando ele flagrou o padre Bedel, numa posição duvidosa com o Coronel Durval, e deu manchete dizendo: “Membro Militar Penetra em Círculo Eclesiástico”. Aquilo deu um rolo danado.
Mas Jorjão não tá nem aí. Para ele, o importante é a notícia, a qualquer preço. Seguidor fiel dos ensinamentos do mestre Edval Souza, repete sempre: “Se não quer que a notícia seja divulgada, não deixe que o fato aconteça”. Ameaças não o intimidam, e por isso mesmo, volta e meia ele está metido em confusão. É a única pessoa que eu conheço que, quando ouve um tiroteio, em vez de se esconder pra evitar balas perdidas, corre pra cima, pra saber os detalhes do furdunço.

Certa vez, o editor mandou Jorjão cobrir uma exposição de quadros de um artista plástico, que estava expondo no saguão da Prefeitura Municipal. O tema da exposição era “Antônio Conselheiro e a Guerra de Canudos”.
Jorjão chegou lá, entrevistou o artista e, ao fim da entrevista, perguntou: “E o homenageado desta exposição, Sr. Antônio Conselheiro, ele veio, está presente aqui”?
O artista, gozador, olhou em volta e viu o reitor da Universidade, conversando numa roda de amigos, e disse: “Veio sim, olhe ele ali” – apontando para o reitor. E lá se foi Jorjão entrevistar “Antônio Conselheiro”. O reitor, também gozador, entrou no clima da brincadeira e deu a entrevista. Só não foi publicada porque o editor teve o cuidado de ler antes.
Jorjão, como eu disse, é um repórter “furão”, mas muito desligado. E foi assim que certa vez eu fui fazer uma matéria com Monsenhor Renato Galvão, e o encontrei muito aborrecido. “Ah! Cristóvam, que bom que você apareceu. Eu estou aqui muito chateado com um colega seu”. Que foi que houve, Monsenhor – perguntei. “É aquele seu colega Jorjão, o tal que se chama de ‘repórter furão’, ele é mesmo é muito do trapalhão”.
Quando insisti em saber a causa do aborrecimento, ele me contou: “Ele esteve aqui ontem, porque hoje é dia 19 de março, dia de São José, e ele queria saber sobre a tradição da missa que celebramos todos os anos na catedral de Santana. Eu contei a história da missa a ele, dizendo que ela remonta aos tempos de Padre Ovídio de São Boaventura, etc, etc, etc, . Quando eu peguei o jornal para ler esta manhã, lá estava a matéria dele dizendo que quem ia celebrar a missa de São José, era Padre Ovídio. Pode uma coisa dessas?”.

NE - Publicada no livro A Levada da Égua e outras Histórias (2004)

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