Devo à médica Karla Giacomin
uma pequena joia: o livro “A segunda vida – um guia para a mulher
madura”, escrito por Marisa Sanabria. A obra só pode ser encontrada em
sebos virtuais, mas deverá ser relançada ano que vem. Psicóloga com 35
anos de prática, mestre em filosofia e especialista no tema do feminino,
ela trata a questão do envelhecimento em suas oficinas com uma
pergunta: “e quando Afrodite fica velha?”. Sua resposta: “as mulheres
podem ter um envelhecimento repleto de amargura, ou transformar essa
etapa da vida num momento libertador. No entanto, o caminho não é
tentar, a todo custo, continuar sendo a Afrodite dos 25 anos”.
Marisa Sanabria: psicóloga com 35 anos de prática, mestre em filosofia e
autora de “A segunda vida – um guia para a mulher madura” — Foto:
Acervo pessoal
No livro, Marisa utiliza depoimentos de pacientes para ir encadeando os
ensinamentos. “Sempre fui bonita, acostumada a chamar atenção. Hoje
ninguém me olha. Está muito difícil me acostumar” – diz uma. “Fui a
princesinha do pai, depois do marido. Meu trabalho era ficar bonita para
agradar. Agora, sem pai e viúva, qual é o meu lugar?”, é o desabafo de
outra. “A maturidade é um momento de reformular propósitos, mudar
atitudes. Precisamos nos desapegar de demandas sociais, solicitações
familiares e papéis institucionais, deixar o que não é nossa tarefa e
não sustentar aquilo que já não nos interessa”, escreve. Esse
desprendimento inclui a relação com o próprio corpo. Muitas não aceitam a
imagem refletida à sua frente e ela explica: “estão presas a um corpo
anterior e a uma imagem externa. Desqualificam-se e tentam se fazer
invisíveis por não compreender que é possível ter beleza, harmonia e
encantamento em qualquer época da vida”.
Uma das melhores lições é sobre o papel libertador do mito de Lilith,
que pertence à tradição judaica. Segundo a lenda, Lilith foi a primeira
mulher de Adão e não se submeteu a ficar debaixo do corpo do homem
durante o sexo, desafiando a ordem patriarcal. O mito mostra o feminino
percebido como uma ameaça, identificado como a transgressão. Depois de
expulsá-la do paraíso, Deus cria Eva, que vive a sexualidade vinculada à
maternidade. Marisa trabalha com grupos o que chama de “Oficina
Lilith”, para que pensem “quantas vezes foram Eva e que preço pagaram
por isso”. Acrescenta: “o momento Lilith de cada uma é saber colocar
limites sem culpa. Não é preciso agradar o tempo todo para ser aceita”.
Mais um depoimento é a tradução perfeita desse padrão de comportamento
feminino: “não podia falar ‘não’ para o meu filho. Ele pediu para eu
ficar com minha neta, mas eu tinha programado um passeio com minhas
colegas do clube. Resultado: fiquei com raiva, mas a culpa não me deixou
tomar outra atitude”. Ao abordar o modelo de maternidade que é
desempenhado de forma vitalícia, Marisa, aponta o erro de tratar filhos
adultos da mesma forma como quando eram crianças. “Uma coisa é ser mãe,
condição irreversível que se adquire quando se tem filhos, e outra coisa
é desempenhar o papel materno como eterno – até porque ele é
transitório e caduca. A compreensão desse fenômeno nos liberta e nos
permite entender que nossos filhos precisam construir sua própria
história. Esse discernimento evita manipulações, chantagens e jogos de
poder de quem espera e cobra dos filhos o reconhecimento por tanta
dedicação”.
Também busca inspiração na mitologia grega, valendo-se da figura de
Hécate, deusa cujo nome significa “a distante”: é a sábia anciã que
aguarda nas encruzilhadas e observa o passado, o presente e o futuro.
“Hécate trabalha com o silêncio e a reflexão. É para onde me dirijo,
como vou conduzir minha vida quando tiver 80 ou 90 anos”, ensina. Ao
final de cada capítulo, há exercícios para se pensar e escrever sobre
medos, sentimentos e transformações. Apesar dos desafios associados à
longevidade, ela se mostra otimista, com uma ressalva: “estou me
referindo ao homem e à mulher dos centros urbanos, com condições de
cuidar da saúde. O Brasil é um país que se adapta muito rapidamente e a
consciência dos cuidados para um envelhecimento saudável já existe.
Visitei recentemente a Espanha e me surpreendi como lá os idosos
alimentam-se mal e não fazem exercícios”. (G1)
Por Mariza Tavares — Rio de Janeiro
Por Mariza Tavares — Rio de Janeiro
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