domingo, 21 de abril de 2024

 


* Mundos *

 

         Sob um sol estival, os dois implacáveis ponteiros do mostrador das horas, superpondo-se, escondem o numeral 12. Meio-dia. 

Conforme a praxe, sacramentada pela sina da atração gravitacional, a bordo da nave-mãe acabo de aterrissar no mundo-lar. Mundo pequeno. 

Ingresso na estação de sobrevivência, um quase nada, mas acolhedora. Entorno, há várias poltronas para flutuar na sensação de gravidade zero. Em sua totalidade, creio meça algo ao redor de cento e tantos metros quadrados. 

A plataforma de lançamento, na qual a estação ancora nos entretempos das diárias navegações, é um quadrilátero de área não muito maior. Assim vista, desculpem-me os entendidos, a Terra é plana. Ao menos por aqui, tal é a impressão. 

Na plataforma, arrodeando o mundo-lar, nascem e jazem flores, vicejam arbustos meio a verdejante gramado, com cuidado e carinho sempre aparado. O conjunto é tão encantador quanto o límpido ar-azul tido por céu. Aqui, no ar-azul não há araras, mas sobejam bem-te-vis. 

As flores do mundo-lar não viajam, adoram onde nasceram; por consequência, morrem onde viveram. Ai de quem apanhá-las, se atreva. Os arbustos, a murta um deles, exalam marcantes perfumes sincronizados com o raiar do dia. Por força de ofício batem ponto ao surgir da luz. 

A grama, por sua vez, atende ao viver de oito felinos, felpudos e brincalhões, companheiros de jornada nos instantes dos ‘sem-afazeres’, quando me brindam com agradáveis sensações de olhares e silêncios mútuos. 

Somos quatro, os astronautas da estação de sobrevivência. 

Um, o escriba, com ritmo solar navega entre o mundo-lar e o mundo-sítio. Esse, na prática, autêntico satélite daquele. Por não ser habitado, carece de luz própria. Embrenhando-se nas sendas de lá, o escriba deixa-se ficar horas sem conta. Lá, fala consigo mesmo. Lá, exercita-se. Lá, quando assediado por morféticos afagos, vez ou outra, cai no sono. Habitante de dois mundos. 

O outro, melhor dizendo a outra, navegante do mundo-lar é a mulher que distinguiu o escriba entre bilhões de homens, distintíssima, pois. Ela é quem comanda a nave, pilotando-a com seus conhecimentos intuitivos e culinários, em diuturnas jornadas. Com essa, sono? Só no sonho. Acordada, posto costuma avançar madrugadas nos computadores de bordo esperando, quem sabe, ouvir algum silêncio de outros mundos do espaço. 

Aos citados astronautas, dois outros se acoplam. Cada qual, na presente disposição astral, aprendendo a vencer a gravidade do mundo-lar. Arrojam-se espaço afora, em direção a novos mundos. 

Um novo mundo! Sonhos de ‘Colombos’ e ‘Armstrongs’, sonham eles. A cada dia um passo calculado. Levitam e superam a força de atração do solo, claro sinal de nosso destino. Obedecem à programação dada pelos computadores da vida, e em tal mundo novo – o estudo universitário – ora orbitam. Quanto ao mundo dos amores tidos, estão, diria eu, em estágio de aprendizado. Parece-me saberem manobrar as engrenagens da convivência amorável, com a velocidade do digitar minúsculas teclas dos computadores de bordo. O segredo está em não se apertar a tecla errada. 

É fato incontestável: no mundo dos amores nutridos não há, no espaço sideral, cristão por mais intergaláctico seja, desconhecedor dos trancos e barrancos. Desnecessário, portanto, descrever as paisagens do mundo-cupido. 

Abre-se aqui uma exceção aos mundos-indecifráveis, mundos das manias pessoais, mundos de um habitante só. Não é recomendável intentar penetrá-los. Ante os ditos, tão frequentes quanto estrelas cadentes, o melhor a ser feito é evitar a rota de colisão, sempre lembrando cada doido ter sua mania. Não há dois mundos iguais. 

Agora, acomodado a uma das poltronas da estação de sobrevivência do mundo-lar, acaricio um hibisco vermelho e relendo o narrado, flutuo no vácuo das sensações perdidas. Após sorver o aroma da murta, miro o ar-azul, fecho os olhos e dou-me conta de outro mundo. Um mundo-indecifrável: a mania de minhas pretensões literárias.



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