segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Há poucos dias vi na internet uma professora paulista que havia feito um trabalho com seus alunos em cima da música “A Triste Partida Para o Sul”, de autoria do poeta cearense, Patativa do Assaré. Ela desconhecia alguns termos utilizados na letra, como “barra”, e queria que alguém esclarecesse. Como já há algum tempo eu venho pensando em fazer um trabalho de resgate de expressões linguísticas utilizadas pelos nordestinos e muitas delas caindo em desuso, resolvi começar por “destrinchar” a letra dessa música que é rica em expressões e vocábulos comuns à linguagem nordestina. Logo abaixo da letra vou “decifrando” as expressões que julgo pouco conhecidas atualmente. Contudo, expressões como “oitubro” (outubro), “nôta” (noutra), ou “famia” (família) devem ser interpretados pelo leitor como erros de linguagem.


A Triste Partida para o Sul

Patativa do Assaré

Setembro passou com oitubro e novembro/Já tamo em dezembro, meu Deus que é de nóis/Assim fala o pobre, do seco Nordeste/cum medo da peste da fome feroz.

A 13 do mês ele teve experiença/perdeu sua crença nas pedra de sá/mas nôta esperança cum gosto se agarra/pensando na barra do alegre Natá.

Rompeu-se o Natá porém barra não veio/e o sol bem vermeio nasceu muito além/na copa da mata buzina a cigarra/ninguém vê a barra pois barra não tem.

Sem chuva na terra descamba janeiro/depois fevereiro e o mesmo verão/aquele nortista pensando consigo/diz isso é castigo não chove mais não.

Apela pra março que é o mês preferido/do santo querido Sinhô São José/mas nada de chuva, tá tudo sem jeito, lhe foge do peito o resto da fé.

Agora pensando ele segue outra tria/chamando a famia começa a dizer/eu vendo meu burro, o jegue e o cavalo/nois vamo a São Paulo vivê ou morrê.

Nois vamo a São Paulo, que a coisa tá feia/por terras alheia nois vamo vagá/se o nosso destino não for tão mesquinho/pro mesmo cantinho nois torna a voltar.

E vende o jumento, o burro e o cavalo/inté mesmo o galo vendero também/pois logo aparece feliz fazendero/por pouco dinhero lhe compra o que tem.

E num caminhão ele joga a famia/chegou triste dia já vão viajá/a seca terrive, que tudo devora/lhe bota pra fora da terra natá.

O carro já corre no topo da serra/oiando pra terra, seu berço, seu lar/aquele nortista, partido de pena/de longe ainda acena, adeus meu lugá.

No dia seguinte já tudo enfadado/e o carro embalado, veloz a corrê/tão triste, coitado, falando saudoso, um seu fio choroso excrama a dizê.

De pena e saudade papai sei que morro, meu pobre cachorro quem dá de cumê/e diz o mais novo, mãezinha e meu gato?/cum fome e sem trato o mimi vai morrê.

E a linda pequena, tremendo de medo/mamãe meus brinquedo, meu pé de fulô?/meu pé de roseira, coitado, ele seca/e minha boneca também lá ficou.

E assim vão deixando cum choro e gemido/o berço querido, céu lindo e azul/o pai, pesaroso, nos fio pensando, e o carro rodando na estrada do Sul.

Chegaro in São Paulo sem cobre e quebrado/e o pobre, acanhado, percura um patrão/só vê cara estranha, dele estranha gente/tudo é diferente do caro torrão.

Trabaia um ano, dois ano e mais ano/e sempre nos prano de um dia vortá/mas nunca ele pode, tá sempre devendo/e assim vai sofrendo, é sofrer sem parar.

Se arguma noticia das banda do Norte/tem ele por sorte o gosto de ouvir/lhe bate no peito saudade de móio, e as água dos zóio cumeça a cair.

Do mundo afastado ali vive preso/sofrendo desprezo, devendo ao patrão/o tempo rolando, vai dia e vem dia/e aquela famia não volta mais não.

Distante da terra, tão seca, mas boa/exposto à garoa, a lama e ao paul/faz pena o nortista, tão forte e tão bravo/viver como escravo no Norte e no Sul.

1 - “A 13 do mês ele teve experiença, perdeu sua crença nas pedra de sá”. No dia 13 de dezembro, dia de Santa Luzia, é comum no Nordeste o sertanejo enfileirar pedras de sal, ao anoitecer, no sentido Leste (de onde o vento sopra) para o Oeste. Se no dia seguinte as pedras mais ao leste estiverem derretidas ou menores que as outras, significa que o vento está trazendo umidade, o que quer dizer que poderá vir chuva em breve.

2 – “Pensando na barra do alegre Natá”. Outro sinal de chuva é a formação de nuvens no horizonte Leste. É a chamada “barra de chuva”. No verão essa formação costuma aparecer a partir do final do mês de dezembro.


3 – “Na copa da mata, buzina a cigarra”. A cigarra cantando no verão é um prenuncio de estiagem. Mau sinal para os agricultores nordestinos.

4 – “Apela pra março, que é o mês preferido, do santo querido Sinhô São José”. O Dia de São José é comemorado a 19 de março. Segundo a crendice popular geralmente chove neste dia e, se chover, é prenuncio de um bom período de chuvas. São José é tido também como o padroeiro do Sertão nordestino, protetor das plantações e colheitas.

5 – Chegaro in São Paulo sem cobre e quebrado”. As moedas antigas eram cunhadas em cobre. Hoje em dia são cunhadas em níquel. Assim como hoje em dia se ouve algum mendigo pedindo uma “nica” (níquel), antigamente pediam um “cobre”. Pessoas ricas antigamente eram conhecidas de “cheias de cobre”.

6 – “Exposto à garoa, à lama e ao Paul”. – A cidade de São Paulo é considerada como a “Terra da Garoa (chuva fina), que faz alma e deixa o pasto encharcado como pântano (Paul).

N.E. Espero ter contribuído e estou sempre às ordens para esclarecer dúvidas.

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