segunda-feira, 24 de julho de 2017

'Empoderamento feminino' é clichê constrangedor, diz Washington Olivetto



"Pensar fora da caixa", "quebrar paradigmas", "desconstruir" e "empoderamento feminino". Para o publicitário Washington Olivetto, todas essas expressões ocupam a mesma categoria: "clichês constrangedores" criados, de tempos em tempos, pela publicidade - e pela sociedade.

"São todos primos-irmãos de um baixo nível intelectual, do 'beijo no seu coração'. A gente tem que fugir desses clichês."

Presidente da agência W/McCann, eleito duas vezes "Publicitário do Século" pela Associação Latino-Americana de Agências de Publicidade e ganhador de mais de 50 Leões no Festival de Publicidade de Cannes, o responsável por campanhas como Garoto Bombril vê sua área mais pressionada pelos consumidores e pelo politicamente correto, "que muitas vezes é bem-educado, mas é chato".

Em entrevista à BBC Brasil, Olivetto, de 65 anos, conta como a maior participação do público transformou o monólogo da publicidade em diálogo, mas afirma que a interação tem limite.

"O consumidor pode e deve dar palpite, mas a principal função dele é consumir. Quero saber da opinião dele? Claro! Mas se a opinião dele for estapafúrdia e mais cinco estapafúrdios quiserem (o mesmo) não vou abrir mão das convicções da boa persuasão."


Ele também explica por que "Porsche é melhor do que mulher que, diga-se de passagem, é excelente". Mas para descobrir os motivos é preciso ler a entrevista até o fim.

Veja abaixo alguns trechos da conversa:



BBC Brasil - A publicidade adotou temas que antes eram exclusivos de movimentos sociais, como diversidade sexual e o feminismo. O que acha dessa tendência?

Washington Olivetto - A publicidade, seja quando começou, seja hoje, tem uma característica fundamental: a presença de uma grande ideia. É a ideia que provoca aquele efeito de 'como não pensei nisso antes', e ela é pertinente. É algo que tem a ver com o produto e com seu consumidor. Não é uma grande ideia algo que seja simplesmente sensacionalista ou oportunista.

Dentro desse critério, tudo o que está na vida pode estar na publicidade, desde que seja pertinente. Tem música na vida? Tem sexo? Pode ter (na publicidade).

Ciclicamente, mesmo antes desses movimentos que acontecem hoje, a melhor publicidade sempre foi aquela que soube perceber isso.

Quando fiz o Garoto Bombril, em 1978, tinha detectado que as mulheres estavam cansadas de serem tratadas como idiotas pela propaganda dos produtos de limpeza. E que a presença de um homem seria surpreendente. Se ele fosse doce e delicado, melhor ainda.



BBC Brasil - Como o Woody Allen? Em outras entrevistas, você disse que o estilo dele estava em alta na época.

Olivetto - As mulheres estavam achando mais interessante a inteligência do Woody Allen do que os músculos do John Wayne.

Nos últimos anos, aconteceram outras coisas, incluindo duas que considero muito ruins: surgiu fortemente a presença do politicamente correto, que muitas vezes é bem-educado, mas é chato; e a detecção do politicamente incorreto, que às vezes é engraçado e mal-educado.

No meio disso, tem um negócio que batizei de politicamente saudável, que são ideias que tenham irreverência, senso de humor, mas respeitem a inteligência das pessoas.

A publicidade no Brasil, por exemplo, durante um grande tempo desconheceu a presença do negro - temos tantos negros no país e poucos na publicidade. Nos últimos tempos, uma pressão dos movimentos sociais fez com que a publicidade participasse de determinadas causas. Isso pode ser feito de maneira oportuna ou oportunista, essa é a grande questão.

Tivemos uma experiência interessante no ano passado, que lutei para que não ficasse oportunista e acabou muito oportuna. Minha diretora de arte do Rio de Janeiro, que atende a L'Oréal, descobriu uma transgênera, fez um comercial dela com sua primeira carteira de identidade no dia internacional da mulher. Falei 'Não pode acabar nisso. Não pode ser um comercial que ganhe um prêmio, tem que virar uma coisa grande'. Ela virou a primeira porta-voz mundial transgênera da L'Oréal, virou capa da Vogue francesa, enfim, se tornou um fato verdadeiro.



BBC Brasil - Hoje é mais oportunista do que oportuno?

Olivetto - Sempre será assim. Em causas sociais, a maior parte delas contém um componente de oportunismo, infelizmente.



BBC Brasil - Há alguns anos, você deu a declaração de que o politicamente correto estava matando a publicidade. Ainda pensa isso?

Olivetto - Sim, porque principalmente o pessoal mais verdinho não cogita que tem o politicamente saudável no meio, então elimina qualquer ideia que tenha uma conotação de irreverência.

Anos atrás fizemos um comercial do (protetor solar) Coppertone, mostrando um cara que só usava Coppertone. Ele estava com a mulher na praia e ela tinha esquecido de comprar o protetor. De repente, vinha um gordo, muito gordo, passando Coppertone no corpo. (O homem) saia correndo, gritando 'Alfredo', abraçava (o homem gordo) e se esfregava nele. E, na verdade, eles não se conheciam.

Era só uma adorável brincadeira. Mas se a gente fosse pensar 'ah, mas os gordos do Brasil vão ficar chateados, vamos fazer com um magro', ia ficar sem graça.

Hoje essa capacidade da publicidade de aderir a causas está vivendo um momento modal. Está na moda, depois tem outra.

Hoje, muitas editoras têm um personagem chamado leitor sensível. Sabe o que é isso? É um cara para ler os livros e detectar se tem algum trecho que vai dar problema com uma minoria. O leitor sensível é um censor disfarçado.


Click no link e leia mais no BBCBrasil.

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