domingo, 13 de novembro de 2022

 


*Canário amarelinho* 

Esta mania, estar sempre a escrever pelo simples prazer de fazê-lo, carrega o indesejável cacoete da pressa e suas consequências. Faz-me evocar tempos da meninice em planuras gaúchas, quando o ‘minuano’ sopra forte nos anuais setembros - mês das coloridas ‘pandorgas’ e seus longos rabos com tiras tiradas de peças de roupas velhas.  

Chegada tal época, relembro a impaciência com a qual incitava meu pai a recrutar cordão, goma arábica, papel de seda e finas lascas de taquaras, material necessário à produção dos ‘papagaios’, para empiná-los céus afora. Tudo com extrema pressa. A mesma pressa havida, um trimestre antes, na confecção de balões juninos, esses com suas incendiárias buchas, breu moído como combustível. 

A dupla impaciência-pressa espichou-se em minha vida, e assanha meu juízo quando a um canto, incorrigível caramujo, oculto-me de mim mesmo e deixo a pena fluir leve e solta. 

Então, dado ao açodamento de meu deslumbrar e, adicionalmente, ao intento de libertar da gaiola as letras escravas da mania de voar sem asas, deixo um pouco de minhas imperfeições ganhar mundo. 

Bem mais tarde, ao debruçar-me sobre o posto ao ar em um repente, apercebo-me de incontáveis inconsistências, impropriedades, dissonâncias, nas quais incorri na busca de nunca alcançada originalidade. 

Alhures, declarei não ser maratonista capaz de percorrer – leia-se, escrever –quilométricos trechos. Às limitações da idade – em verdade, simples desculpas – soma-se a falta de preparo in latu sensu.  

Por isso, sempre correndo, em pouco tempo escrevo. Apenas o necessário para bebericar duas ou três louras siberianas e o ponteiro maior do relógio circular pelo plenário das horas duas vezes.

             Com tão pouco para dizer muito, há de convir-se abundarem falhas gramaticais – pleonásticas, verbais, pronominais e outras mais – por conta do improviso. 

Depois, quando revejo ter escrito coisas como “há dez anos atrás” recorro à desculpa da pressa em deixar ir-se, mundo afora, o canarinho nascido na minha ninhada de pretenso criador de pássaros sob a forma de palavras. 

E aí? Aí, não me puno pelo fato de o pássaro não ser todo amarelinho.

Uma pintinha preta ao peito ou outra sob uma das asas, está a negar a pureza genética. As pintinhas estão para confirmar a imperfeição fazer parte da natureza, e servem de escada para galgar o perfeito. Perfeito que, em si, também não é o limite. Haja vista, nossa língua dar vida ao tempo verbal “mais-que-perfeito”. 

Um dia, quiçá, chego lá! Para isso, malgrado as incongruências - as da escrita, as do viver -, não abro mão de meus dicionários e sigo a levar ‘pipas’ aos ares - não tão coloridas quanto gostaria - sob a forma de palavras-pássaro avoando, evadidas da gaiola de minha imaginação. 

Rumam às correntes de ar, alegria da garotada ao empiná-las e aos sentidos dos adultos ao lerem meus despretensiosos textos. 

Agradeço para quando pousarem nos olhos-armadilha, se as admirarem, deixem-nas seguir voando.

Hugo A de Bittencourt Carvalho

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