segunda-feira, 28 de novembro de 2022

Crônica de segunda

 

O Comendador Bastos 

Cabra fiel tava ali. O Comendador Bastos nunca jogou água fora da bacia. Comerciante tradicional, respeitado, era um homem do tempo em que a palavra dada era garantida por fio do bigode do cavalheiro. E bigode bem que ele o tinha. Um largo e vasto bigode. Casado com dona Semírames, nunca tirara a aliança do dedo, desde o dia em que com ela trocara juras de amor ao pé do altar.

O comendador era conservador em tudo. Na maneira de falar, de vestir, de comer e, dizem, até na hora de “virar o zoinho”. O certo é que o homem, em plena década de 80 ainda usava cueca samba canção, camiseta de meia por baixo da camisa de linho com mangas compridas e sapato bico fino. Ia à missa todos os domingos e era frequentador assíduo das reuniões do Lions e da Maçonaria.

E foi por causa destas reuniões que a coisa começou a pegar. Alguns membros, mais afeitos às mudanças dos tempos, costumavam sair mais cedo das reuniões e dar uma esticadinha até um barzinho, uma boate ou, quiçá, um motel, colocando como desculpa por chegar tarde em casa a demora das infindáveis reuniões.

Ocorre que, como o comendador Bastos não era afeito a estes desvios, ia direto pra casa tão logo terminavam as reuniões. E assim sendo, quando dona Semírames se encontrava com as amigas, e delas ouvia as queixas contra as demoradas reuniões, não entendia e argumentava que seu marido, o comendador Bastos, sempre chegava cedo em casa.

As senhoras começaram a desconfiar e a fazer perguntas, o que levou os demais membros da confraria a discutir o assunto e tomar providências.

“Precisamos enquadrar o comendador. Ele tem que se juntar a nós ou então a vaca vai pro brejo”, argumentavam.

Passando da palavra à ação, arquitetaram um plano para “laçar” o comendador. Contrataram umas meninas para, na próxima reunião, participarem de um programinha, e incumbiram uma, particularmente, de “colar” no comendador e fazer com que ele participasse da farra, sem ter como se desculpar.

No dia acertado, a reunião terminou mais cedo e as meninas já estavam esperando na porta do clube. Aquela a quem coube “grudar” no Comendador, muito despachada, foi logo se atirando em seus braços, chamando-o de “meu coroa lindo”, declarando-se perdidamente apaixonada, deixando o comendador definitivamente “laçado”.

O que aconteceu a seguir, ela contou depois. Foram à boate, dançaram um pouco, beberam e, claro, foram a um motel. Lá chegando, ela logo se pôs em trajes de Eva, tomou um banho e deitou-se à cama, lânguida, provocante e convidativa para uma grande noite de amor. Por sua vez, o comendador se pôs em trajes menores (cueca samba canção, camiseta e meias) e partiu pros finalmente.

Estava ele ali, naquele “papai e mamãe” quando a menina, talvez até para justificar o pagamento que estava recebendo, começou a soltar alguns gemidos sensuais: “Ai, que gostoso, ai, como é bom, ai...” .

O comendador não se fez de rogado. Empertigou-se todo, cofiou o bigode, e bradou solenemente:

- Ai, também, minha filha!...

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