terça-feira, 15 de agosto de 2017

A deliciosa e requintada semente que cresce no norte do Brasil e pode ser fatal



Sua posse é caso de polícia em alguns países e, nos EUA, a vigilância das autoridades alimenta um "contrabando gastronômico".

Trata-se da fava tonka ou cumaru. O fruto nasce da flor de uma árvore tropical da família das leguminosas e que cresce em toda a região norte da América do Sul - incluindo os Estados brasileiros do Amazonas e do Pará.

Moídas e salpicadas sobre sobremesas, ou misturadas a caldas, suas sementes têm um sabor tão especial que ganharam o apelido de "o mais delicioso ingrediente de que você nunca ouviu falar".

Notas herbais se misturam com baunilha, alcaçuz, caramelo e cravo, pelo menos de acordo com a internet. Mas há quem simplesmente diga que o cumaru cheira a lustra-móveis.

E, sem parcimônia, pode ter o mesmo efeito da ingestão do líquido acima.

"É realmente delicioso. Mas desde que você não use em grandes quantidades, pois isso pode causar morte", explica Thomas Raquel, chef de sobremesas do renomado restaurante Le Bernardin, em Nova York.

O curioso é que a venda de cumaru para consumo é proibida nos EUA desde 1954, e alimentos contendo o produto são considerados adulterados pela vigilância sanitária.

Isso não impede que apareçam em cardápios de restaurantes e que os americanos sejam os maiores importadores das sementes no mundo.

O cumaru contém grandes quantidades de cumarina, substância que dá o sabor às sementes e é encontrada em centenas de plantas, incluindo tipos de grama e cereja. Mesmo quem nunca viu uma fava tonka na vida pode já ter sentido seu aroma sem saber.

Cientistas isolaram a cumarina pela primeira vez em 1820 - o nome da substância vem de coumarou, como é conhecida no Caribe a árvore de onde vêm as sementes. Nos anos 1940, o produto já era amplamente usado como aditivo sintético. Barato, substituía a baunilha, sendo misturado a chocolate, doces e mesmo refrigerantes.

Também passou a ser misturado a tabaco e usado na fabricação de perfumes.

Mas surgiu um problema: estudos em cães e ratos revelaram que a cumarina era também altamente tóxica - mesmo pequenas quantidades causavam danos consideráveis ao fígado em apenas algumas semanas. Em carneiros, por exemplo, apenas uma dose de cinco gramas da substância bastaria para matar.

Os grãos e seu aditivo acabaram proibidos nos EUA e em vários países da Europa.

Até hoje, porém, eles continuam sendo usados.

"Digamos que sabemos onde encontrá-los", afirma o restauranteur Paul Liebrandt, ex-dono da renomada casa nova-iorquina Corton.

Tudo isso apesar da constante vigilância das autoridades americanas, que na década passada fizeram até batidas policiais em restaurantes gourmet. Grant Achatz, chef do Alinea, em Chicago, conta que uma vez recebeu visita de agentes da FDA, a agência americana que fiscaliza drogas e segurança alimentar.

Tonka e cumarina ainda aparecem na composição de aromatizantes à base de baunilha no México, normalmente para disfarçar produtos de má qualidade. Isso mostra que não é apenas em restaurantes finos que podemos ser expostos ao cumaru. No Brasil, por exemplo, pode ser comprado pela internet - um quilo pode custar R$ 280.

Mas as restrições legais à cumarina normalmente se aplicam aos alimentos. É perfeitamente legal adicioná-la ao tabaco e a cosméticos. A substância também é usada em detergente, sabonete líquido, desodorantes e perfumes conhecidos, como o Coco Mademoiselle - apesar de poder ser absorvida pela pele e pela membrana pulmonar.

A cumarina aparece até em alguns tipos de cigarros eletrônicos.

E é bem capaz de, mesmo sem saber, você ter a substância na cozinha. A canela que comumente é vendida no mundo não é o pó da casca da planta conhecida pelo nome científico Cinamomum verum, natural do Sri Lanka, mas, sim, um "genérico asiático", a Cinamomum cassia.

A diferença? A "impostora" contém 25 mil vezes mais cumarina.(Leia mais no BBCBrasil)



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