sexta-feira, 30 de junho de 2023

“Animá de bico”

           

Pipiu e Cristóvam
O nome de batismo era Bernardino, o apelido familiar era Pipiu. Mas, nós nos chamávamos de “animá de bico”. Estou me referindo a Bernardino de Carvalho Bahia, meu padrinho de crisma. Antes de prosseguir vou dar algumas explicações. Quando eu nasci, a família de Anacleto Mascarenhas residia na Praça da Matriz. Meus pais vieram do norte do Estado e abriram uma pensão na casa vizinha. Ada Maria, filha do casal Anacleto e Aurelina Mascarenhas, me viu nos braços da minha irmã e me pegou para brincar. Nessa brincadeira eu fui ficando e fiquei adotado pela família. Fui batizado por Ada e seu irmão José Olympio. Pipiu à época namorava com Ada e, segundo ele mesmo, resolveu me crismar para que eu adquirisse algum respeito por ele, já que eu só o chamava de Piu.

Eu fui crescendo, Pipiu e Ada se casaram e a vida seguiu. Eu ficava dividido entre
a casa dos meus pais adotivos e de Ada e Pipiu. Foi ele quem me ensinou a atirar e a caçar, fazendo de mim seu companheiro de caçadas. E foram muitas. A cada viagem para caçar era uma nova aventura. Ele era muito brincalhão e gostava de pregar peças nos amigos e familiares. E entre nós dois não era diferente. Certa vez, numa festa de São João na fazenda Paus Altos, ele percebeu uma movimentação entre a rapaziada. Quando perguntou o que era disseram: Fique olhando. Os “moleques” haviam colocado sobre uma mesa de bebidas uma carteira de cigarros e um isqueiro. Quando alguém pegava um cigarro e tentava ascender com o isqueiro, recebia um esguicho de água na cara.

Pipiu disse: Assim não tem graça. Saiu com o isqueiro e retornou colocando no mesmo lugar. Quando eu perguntei: O que foi que você fez? Ele respondeu: Espere. Quando um incauto se aproximou e tentou ascender um cigarro, ficou com a cara toda azul. Ele havia substituído a água por azul de metileno.

Numa viagem de caçada, na qual seu sobrinho André Mascarenhas foi conosco, erramos o caminho para Maracás. Os passantes nos davam informações erradas. Três horas da tarde, com o combustível acabando, sentimos que já estávamos perto do nosso destino. Avistei um velho na estrada e pedi a Pipiu que se certificasse com o dito se estávamos no caminho certo. Ele parou o carro a beira da estrada e o velho parou do outro lado. Ele perguntou se aquela era a estrada para Maracás, ao que o cidadão respondeu: Santa Terezinha? Pipiu tentou explicar que a gente estava perdido e estávamos indo para Maracás, mas, o velho não escutava: “Não. O senhor tem que vortá, passar em seu Neco Pire, drobrá as esquerda e aí chega em Maracás”. Pipiu tentou argumentar que não éramos da região, mas ele não entendia. Após várias tentativas, Pipiu estendeu a mão para o velho dizendo: Ok, muito obrigado! Vá tomar no c*, e ouviu como resposta: Se Deus quiser sim senhor! Eu olhei para trás, e André estava no banco jogando as pernas para cima e gargalhando. Mas, felizmente, chegamos a Maracás.

Em outra oportunidade, recebemos um convite para caçar perdizes numa fazenda em Nanuque, Minas Gerais, onde residia uma cunhada de Tonheiro, irmão caçula da família. O que a gente não sabia é que era aniversário de casamento dela. Já na casa percebemos uma movimentação estranha. Muitas mesas bem arrumadas com pratos e talheres, garçons, e percebi que ali haveria uma festa luxuosa. E a gente só tinha roupas de caça. Logo começaram a chegar os convidados trajados a rigor. Marcelo, o dono da casa, quebrou o nosso galho, informando a todos nossa situação. Mas, eu estava com Pipiu e ele não se acanhava com nada. Logo estava enturmado com todos, conversando alegremente como velhos amigos. Lá para as tantas, ele já estava discutindo com as mulheres da mesa sobre feminismo. Já no fim da conversa, a discussão era se mulher poderia fazer tudo que o homem faz. Ele, com seus argumentos, foi calando a boca de uma por uma, enquanto os maridos se divertiam com a situação, até que restou apenas uma mais renitente à qual ele desafiou: “Vou lhe provar que mulher não pode fazer tudo que o homem faz”. Ela caiu na besteira de dizer: “Prove”. Ele tirou a camisa e disse: “Faça o eu fiz”. A gargalhada foi geral e foi constrangedor ver a cara da mulher derrotada em seus argumentos.

Pipiu era amigo de seus amigos. Um dia o pai dele bateu à porta informando que haviam matado um comerciante muito amigo, que era o pai de Yara, que mais tarde se casou com José Olympio Mascarenhas. Ele ainda estava de pijama. Assim mesmo pegou uma arma, entrou no carro e seguiu com o pai a caça do assassino. Não o encontraram, graças a Deus!

 Era também muito generoso. Lembro-me de um São João em que ele comprou roupas e fogos para todos de uma família que morava em uma pequena favela próximo a sua casa e os convidou para o forró que aconteceu a noite. Na fazenda Paus Altos, ele sempre convidava todos os trabalhadores para participar dos festejos promovidos para a família. Era amigo de todos, tratava todo muito bem, mas, não tolerava desrespeito. Também não poupava ninguém de uma boa pegadinha.

Eu poderia encher um livro só com as estórias engraçadas e curiosas que vivenciei ao lado de Pipiu, meu querido “Animá de Bico”. Agora ele se foi, com mais de 90 anos muito bem vividos. Que Deus o tenha em um bom lugar! Certamente ele e seu amigo e ídolo Gregório Barrios, já estão organizando serestas lá no céu.

Gratidão e saudade, meu velho Piu! Até breve!

        

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