sábado, 10 de junho de 2023

 

* Outro Oásis* 

Parto, via caminhos compartilhados com leitores de outras oportunidades. Refiro-me às letras aqui jogadas, tendo por cenário os bares das doze badaladas. Apesar de minúsculo o mundo onde vivo, dava-me ao luxo de alternar as elucubrações sabatinas, às mesas dos bares, ora da Estação Rodoviária, ora de Paulo 200. Outro dia, segredou-me meu palpiteiro coração, preferir esse último. No dito, as ‘louras’ maltadas atendem pelo nome Amstel. 

Ocorre, todavia, por razões de sobejo conhecidas – a malfadada pandemia - tais centros de convivência inspiradores, deixaram de ser porto seguro. Impedimento, fruto do bom senso, a tolher minha consagrada rotina de adejar por suas mesas. Tal fato, levou-me intentar diverso ponto, onde pudesse saciar o ímpeto do palavrear à toa.  Outro oásis, em respeito às circunstâncias impostas pelo isolamento social, de preferência exclusivo. 

Cumprida a matinal sina de atividades no sítio – pá, picareta, rastro, ‘enxadeta’ - tempo ensolarado, belo banho gelado, eis-me no mais recôndito recanto o qual imaginar-se possa.

 De repente, rápido como inesperado acesso de tosse, dei-me conta existir tal oásis: ‘louras’ polares, rádio estacionado na clássica MPB, pano de fundo contrapartida aos tempos dos insuportáveis “paredões” altissonantes. 

Avenho-me em meu quarto-estúdio, síntese de dormitório com espaço para dicionários, livros que sempre leio e os a serem lidos, escrivaninha, canetas, meus medicamentos e um divinal sossego. Um perto-longe. Longe de tudo que desassossega, perto de tudo quanto aprecio. 

Gente não se vê. Bastam-me suas vozes, passantes pela calçada, abaixo dos quase centenários janelões por cujas vidraças, em tempos de plenilúnio, a lua grávida esparrama-se em luz argentina, devassando minha intimidade. 

Dispus-me a escrever. Ao ato, somou-se a satisfação em saber o repasto ser prato de fazer inveja a quem nunca, um tiquinho seja, tenha posto pés em terras do Recôncavo Baiano, salgadas em priscas eras pelo mar da Baía de Todos os Santos. 

‘Aratu com mamão verde’, o prato do dia. O inesperado anúncio da iguaria, deu-me água à boca. Enquanto aguardava o chamado ao ágape, desfrutei o antecipado esplendor da regalia, a ser servida a poucos metros do local da imposta privacidade. 

Chegado o triunfal momento, família reunida, mulher, filhos e namoradas, aratu com mamão verde, farofa de banana da terra, frita e crocante, bem torrada com manteiga, mais arroz soltinho. Aratu, para quem desconheça, é crustáceo coletado pelas marisqueiras, na maré baixa, no enlameado solo da Baía de Todos os Santos. 

Tendo por temperos, biri-biri, pimenta do reino e coco ralado, é cozido em camadas. Aratu, mamão verde em cubos, temperos. Aratu, mamão verde em cubos, temperos. A seguir, leite de coco natural e fios suspirados de azeite de dendê. Tais suspiros, conferem à iguaria a atraente cor dourada e o inconfundível sabor da boa comida baiana. Para completar, o tradicional ‘molho lambão’, apimentado, coentro, cebolinhas, sumo de limão, azeite de oliva, pitadas de sal; complemento indispensável à culinária da Boa Terra. No prato em foco, o arroz alvíssimo não é preguiçoso, nem escorrido. Muito alho e, quase ao final do tempo de desligar o fogo, abafa-se a panela e adicionam-se cebola mais talos de cheiro verde. Imagine-se, então. O aroma da cozinha parte em direção às narinas convivas e causa inveja aos incensos, consumidos pela turma zen para tranquilizar o espírito. Tudo, sem esquecer a indispensável e inigualável farofa com farinha copioba, com capricho trabalhada na manteiga e no dendê. 

Água na boca?

Pena não haver gravado o vozerio dos presentes e o barulhar dos pratos e talheres. Descobri estar no melhor lugar do mundo.

Minha casa, na companhia dos meus.

Até mais ler!

Hugo A. de Bittencourt Carvalho, economista, cronista, ex-diretor das fábricas de charutos Menendez & Amerino, Suerdieck e Pimentel, vive em São Gonçalo dos Campos – BA.

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http://livrodoscharutos.blogspot.com

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