segunda-feira, 19 de junho de 2023

Segunda é dia de CRÔNICA: Depois não, antes

Não, não o sim, que extingue toda vida ao redor, extermina possibilidades, encarcera o poema - nada mais terrível que um poema concluído - e nada permite, exceto sua execução, mas o não antes do sim, aquele que impõe uma nova dança para acertar o passo, mimetizar a geografia, sinalizar como folhas que se roçam ao vento, tudo que há de indiscutível, bom, firme e verdadeiro, entre eles. E que, enfim, incendeia as vestes antes do baile final.
Não, não o beijo, essa fraticida morte da intenção, esse frenético rompimento do apenas implícito, mas o instante antes do beijo, aquele que move os oceanos, desvia os meridianos e paralelos, tange os cardumes, para que as bocas rumem o mesmo rumo e o corpo se encha da saliva canina da fome e da concessão.
Não, não a nudez, o espetáculo permissivo e ritual que leva à pequena morte, mas o momento em que a mão, sorrateira e delituosa, cruza a soleira e toca o primeiro botão do vestido- sem rejeição- e todas as tropas, todas as armas, de todo exército do mundo, não podem mais deter o desembarque e invasão, pois toda resistência se torna só um lugar esquecido do passado.
Não, não o gozo, essa apoteose de erupção, essa varredura que devasta e consagra o domínio e o visgo da posse, mas a estação antes- aquele melhor minuto do mundo- em que se perde totalmente o controle e a carne, a decência, nada negam, naquele imenso vazio de leis, regras, morais, em que devassidão e pureza reinam lado a lado na mesma marcha celeste de inaugurar estrelas e mares, nunca antes visitados.
Não, não a próxima vez, que sacrifica a expectativa no altar das certezas, mas o dia seguinte com suas nuvens de dúvidas, seu céu de raios e convulsões tardias, arrepios, trovões de desejos, turbulências de temores, a deixar o coração arrebentado em pancadaria, delícias e incertezas, antes do próximo chamado.
Não, não o ato, mas antes. A nota antes da melodia, a semente antes do grão, o atalho antes do caminho, o graveto antes do ninho, o sereno antes da chuva, a explosão antes da estrela, a linha antes do linho. O amor antes do fim!

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