A MUNDO ESTRANHO conversou com
historiadores e pesquisou documentos que colocam sob nova perspectiva
muitas lições que você aprende na escola. Prepare-se para enxergar dom
Pedro I, Tiradentes, Lampião e outros personagens de um jeito que nunca
imaginou antes.
1) CABRAL DESCOBRIU O BRASIL POR ACIDENTE
VOCÊ APRENDEU QUE: O português Pedro Álvares Cabral
usou os conhecimentos de navegação da época para procurar as Índias
usando um caminho alternativo em linha reta pelo oceano Atlântico. Sem
querer, chegou ao Brasil e nem percebeu o erro – por isso os habitantes
daquela terra foram chamados de “índios”
MAS NA VERDADE: Os mapas portugueses indicavam que
havia terras a serem exploradas a oeste, e elas não tinham nada a ver
com as Índias. A notícia da chegada de Américo Vespúcio ao Caribe, em
1498, tinha circulado rápido. Portanto, quando chegou a Porto Seguro,
Cabral sabia bem a importância da descoberta
2) OS ÍNDIOS NÃO SE BENEFICIARAM NA RELAÇÃO COM OS EUROPEUS
VOCÊ APRENDEU QUE: Os portugueses foram espertos no
comércio com os índios: trocavam o valioso pau-brasil por quinquilharias
sem nenhuma utilidade. Além disso, os nativos também foram escravizados
ou forçados a adotar uma nova religião, o cristianismo. Com o tempo, a
cultura local foi absorvida, e um povo que era pacífico e vivia em
harmonia com a natureza desapareceu
MAS NA VERDADE: As novidades trazidas pelos
portugueses (de armas a cavalos) causaram uma revolução na vida dos
índios. Isolados do desenvolvimento da Ásia, África e Europa por 3 mil
anos, eles não tinham saído da Idade da Pedra. Para eles, o pau-brasil é
que era inútil. Os nativos foram incorporados às vilas e, no geral,
gostaram da experiência de viver com os portugueses
3) OS BANDEIRANTES DIZIMARAM OS ÍNDIOS
VOCÊ APRENDEU QUE: Os bandeirantes, que dão nome às
principais rodovias de São Paulo, escravizavam e matavam os índios sem
dó. Relatórios dos jesuítas acusam os bandeirantes de eliminar, ao todo,
3 milhões de nativos
MAS NA VERDADE: Os bandeirantes não foram heróis,
mas também não foram facínoras. Muitos forjaram parcerias com os índios,
que os acompanhavam Brasil adentro. Quem não gostava nada disso eram os
jesuítas – mais índios nas viagens significava menos convertidos nas
igrejas. Os padres é que teriam sido responsáveis por atribuir a fama de
truculência aos bandeirantes
4) O COCO E A BANANA SÃO BRASILEIROS
VOCÊ APRENDEU QUE: Essas frutas seriam originais do
Brasil. Ilustrações e pinturas sobre a chegada de Cabral (e os primeiros
anos de colonização) mostram um litoral parecido com o que conhecemos
hoje: praias azuis, de areias brancas, ornadas por longas fileiras de
coqueiros. E a banana já seria uma fruta típica do país, muito consumida
pelos índios
MAS NA VERDADE: O coco e a banana vieram com os
europeus. Pasme: os nativos se alimentavam dos animais que caçavam… e de
amendoim! Não existiam banana nem coco. Aliás, muitas frutas que
associamos ao nosso “país tropical” foram trazidas por colonizadores ao
longo do tempo – entre elas, a jaca, a manga e o abacate
5) SÓ OS BRANCOS ESCRAVIZARAM OS NEGROS
VOCÊ APRENDEU QUE: A sociedade brasileira era
dividida de forma rígida pela cor da pele. Brancos dominavam os negros
e, mesmo que conseguisse a alforria, um negro jamais conseguiria
enriquecer ou ser respeitado. Com frequência, líderes negros fundavam
quilombos, comunidades independentes onde todos viviam em situação de
igualdade
MAS NA VERDADE: Escravos tinham escravos. Até Zumbi,
líder do Quilombo dos Palmares, tinha os seus. Inclusive, era comum que
escravos livres se tornassem traficantes de escravos. Nas maiores
cidades de Rio de Janeiro e Minas Gerais, havia muitos casos como o de
Chica da Silva – escravas alforriadas que viviam da própria renda, ricas
o bastante para comprar seus escravos
6) OS EUROPEUS ESCRAVIZARAM AFRICANOS INDEFESOS
VOCÊ APRENDEU QUE: Os portugueses desembarcavam no
litoral africano e invadiam a mata para caçar os nativos. Com poder de
fogo superior, derrotavam tribos inteiras e as levavam de volta para a
praia. Lá, as vítimas eram forçadas a embarcar em navios negreiros e
eram vendidas como escravas ao redor do mundo
MAS NA VERDADE: Os próprios africanos vendiam
escravos. Os portugueses não se aventuravam África adentro – eles tinham
entrepostos comerciais no litoral, onde compravam escravos de guerra.
Esse tipo de comércio sustentava a economia africana havia séculos. Os
reis locais mais poderosos tinham escravos brancos e tanta influência
que trocavam cartas com monarcas europeus
7) A FEIJOADA FOI CRIADA PELOS ESCRAVOS
VOCÊ APRENDEU QUE: Na casa grande, comia-se do bom e
do melhor, o que incluía os mais suculentos pedaços da carne de porco.
Os restos do animal eram aproveitados pelos escravos nas senzalas. Eles
misturaram partes menos nobres (como rabo, nariz e orelha) com feijão e
criaram assim um prato improvisado, que hoje é a cara do Brasil
MAS NA VERDADE: A feijoada é uma invenção europeia.
Os ensopados, aliás, são uma tradição na Europa. Os franceses comem o
cassoulet, e os ingleses, um feito de carne e batata. Os portugueses
simplesmente incorporaram feijão a um prato já tradicional, de carne com
legumes. A versão que dá autoria aos escravos não procede – até porque,
em casas menores, eles comiam na mesma mesa que seus senhores
8) PORTUGAL SÓ SUGOU AS RIQUEZAS DO BRASIL
VOCÊ APRENDEU QUE: Entre 1500 e 1821, enquanto
dominou o território brasileiro, Portugal extraiu todas as riquezas
locais – e, de quebra, nas primeiras décadas, só mandou para cá bandidos
renegados. Depois de retirar o pau-brasil, explorou o solo do Nordeste
até a exaustão com a cana-de-açúcar. No século 18, acabou com o ouro da
região das Minas Gerais
MAS NA VERDADE: Portugal também desenvolveu o país. A
montagem de engenhos era acompanhada por plantações e pela criação de
animais. Era um sistema usado com sucesso no Caribe e na África e
funcionava bem para os padrões da época. Assim como a cana, o ouro
também trouxe riquezas para o Brasil, criou um comércio ativo e ajudou a
desenvolver cidades
9) TIRADENTES SE SACRIFICOU PELA LIBERDADE DO BRASIL
VOCÊ APRENDEU QUE: Simples e idealista, o alferes
Joaquim José da Silva Xavier se tornou o maior símbolo da Inconfidência
Mineira, em 1789. Grande defensor da independência do Brasil e da
libertação dos escravos, ele foi condenado à forca pela Coroa
portuguesa. Seus companheiros de revolta, mais ricos, foram apenas
exilados
MAS NA VERDADE: Tiradentes foi uma figura menor num
movimento elitista. Ele foi um homem simples que nem queria pegar em
armas, mas se viu envolvido num movimento comandado pela elite. O
objetivo nem era o fim da escravidão, e sim o fim dos altos impostos.
Tiradentes foi preso sem resistência, tentando se esconder
10) ALEIJADINHO FOI UM GÊNIO DEFORMADO FISICAMENTE
VOCÊ APRENDEU QUE: Antônio Francisco Lisboa
idealizou obras de valor incomparável no século 18. Mas era também um
homem sofrido e recluso. Deformado por uma doença degenerativa, vivia
escondido, só trabalhava à noite e segurava os instrumentos com as mãos
trêmulas e envoltas em faixas. Seu corpo apodreceu lentamente, até a sua
morte
MAS NA VERDADE: Aleijadinho é uma invenção
literária. O personagem foi inspirado em outro herói monstruoso – o de O
Corcunda de Notre Dame, de Victor Hugo. Seu criador foi Rodrigo José
Ferreira Bretas, que em 1958 escreveu uma monografia para participar de
um concurso. Existiu um Antônio Francisco Lisboa, mas sua biografia é
pouco conhecida. Ele certamente não era deformado e nem criou todas as
obras creditadas a ele
CONSULTORIA Isabel Lustosa, historiadora da Fundação
Casa de Ruy Barbosa; Maria Luiza Marcilio, historiadora da USP; Ronaldo
Vainfas, historiador e autor de Dicionário do Brasil Joanino;
José Pedro Macarini, do Instituto de Economia da Unicamp; Manolo
Florentino, historiador da Universidade Federal Fluminense e autor de Em Costas Negras – Uma História do Tráfico Atlântico de Escravos entre a África e o Rio de Janeiro; Guiomar de Grammont, autora de Aleijadinho e o Aeroplano: O Paraíso Barroco e a Construção do Herói Colonial
FONTES Livros História Politicamente Incorreta do Brasil, de Leandro Narloch, 1808, de Laurentino Gomes, A Devassa da Devassa, de Kenneth Maxwell, A Formação das Almas, de José Murilo de Carvalho, Tiradentes: o Corpo do Herói, de Maria Alice Miliet, Lampião VP, de Jack de Witte, e Ecologia do Cangaço, de Melquíades Pinto Paiva
Publicado em Super Interessante
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