Agricultura de vários vegetais diferentes. Fogo. Desmatamento controlado. Uso de fertilizantes. Em pesquisa conduzida
pela Universidade de Exeter, do Reino Unido, arqueólogos, ecologistas,
botânicos e paleoecologistas descobriram que a Floresta Amazônica, ao
contrário do que se supunha, não era um santuário verde intocado pelas
mãos humanas há 4,5 mil anos.
Desde essa época, no mínimo, houve
interferência do homem na natureza da região. E, conforme o estudo
mostra, efeitos dessa interação estão presentes ainda hoje.
"Os agricultores ancestrais da Amazônia souberam como enriquecer
o solo com nutrientes, criando a chamada Amazon Dark Earth (ADE)",
comenta a paleoecologista e arqueóloga Yoshi Maezumi, da Universidade de
Exeter. "Em vez de expandir a terra desmatada, para aumentar a
agricultura, eles melhoraram o solo, em uma forma mais sustentável de
produção."
Sim, havia sustentabilidade na mentalidade dos primeiros agricultores da Amazônia.
Essa
ADE é conhecida popularmente como terra-preta ou terra-preta-de-índio.
Trata-se de um tipo de solo muito escuro, como o nome indica, e
extremamente fértil. É encontrado principalmente na Amazônia.
Ao
longo das últimas décadas, uma série de estudos buscou explicar a
origem dessa terra. Hipóteses foram aventadas: seria um solo resultante
de cinzas vulcânicas oriundas dos Andes e depositadas na Amazônia. Ou
resultado de sedimentação em lagos formados em antigos períodos
geológicos.
Mais recentemente, muitos cientistas vinham sugerindo
uma origem antrópica - ou seja, resultante da ação humana. Análises
profundas desse solo permitem identificar uma combinação de matéria
orgânica vegetal e animal, vegetais carbonizados e resquícios de
cerâmica.
A pesquisa, publicada nesta segunda-feira no periódico científico Nature Plants, concluiu que essa ação humana ancestral, portanto, teve impacto duradouro - já que o solo é presente até hoje na região.
"O
trabalho dos primeiros agricultores amazônicos deixou um legado
duradouro", comenta o arqueólogo e botânico José Iriarte, também da
Universidade de Exeter. "A forma como comunidades indígenas
administraram a terra há milhares de anos ainda molda ecossistemas
florestais modernos."
Variedade dos cultivos na Amazônia
A
agricultura era de múltiplos vegetais. Com base nos indícios
encontrados em carvão, pólen e plantas em sítios arqueológicos e
sedimentos de um lago, a equipe de cientistas concluiu que os seres
humanos que ocupavam a região plantavam milho, batata-doce, abóbora e
mandioca, pelo menos.
Para melhorar a produtividade do solo,
esses agricultores ancestrais tinham suas técnicas de adubação:
realizavam queimadas organizadas e adicionavam à terra esterco animal e
restos de comida. Eis a provável origem da terra-preta, portanto.
De
acordo com os pesquisadores de Exeter, foi esse desenvolvimento do solo
que propiciou que, na época, a agricultura amazônica não se
circunscrevesse às várzeas dos rios, naturalmente mais férteis, e
pudesse adentrar para regiões onde o solo, originalmente, era mais
pobre.
"Essas comunidades provavelmente removeram algumas árvores
e ervas daninhas a fim de terem espaço para seus cultivos. Mas
mantiveram uma floresta primária fechada, que se transformou ao ser
enriquecida com plantas comestíveis", explica Maezumi. "Ou seja: era uma
maneira muito diferente da atual exploração da Amazônia." A
pesquisadora se refere aos desmatamentos contemporâneos, em que grandes
extensões de terra amazônica dão lugar a plantações de grãos e criação
de gado.
"Os conservacionistas modernos podem tirar lições de
como os indígenas usavam a terra amazônica. E esse manejo pode ajudar a
proteger as florestas modernas", diz ela. "É importante lembrar como o
desmatamento moderno e as plantações agrícolas se expandem pela Bacia
Amazônica", complementa Iriarte.
Estudo anterior
É a primeira vez que pesquisadores publicam um
estudo sobre o uso de longo prazo da terra - e do manejo do fogo - na
região amazônica.
Mas não é de agora que os cientistas de Exeter
estão de olho nas possibilidades científicas oferecidas pela Amazônia.
Em março deste ano, pesquisadores da mesma universidade - boa parte
deles, integrantes também do estudo publicado nesta segunda -
identificaram que, entre os anos de 1200 e 1450, pelo menos 81 aldeias
reuniam uma população de entre 500 mil e 1 milhão de pessoas na região
da maior floresta do mundo.
Na ocasião foi destacado como um
aspecto interessante o fato de as tribos ficarem distantes dos
principais rios - a explicação pode estar justamente no fato do agora
descoberto domínio de técnicas de fertilização do solo, ou seja, os
habitantes ancestrais da região não dependiam tanto assim das várzeas.
Justamente nos pontos onde estavam as aldeias, os pesquisadores
encontraram a terra-preta.
Nessa pesquisa, os cientistas se
basearam em imagens aéreas de regiões hoje desmatadas da florestas. E
identificaram uma série de geoglifos, ou seja, valas cavadas no solo em
formatos geométricos.
A principal teoria é a de que essa valas serviam para demarcar as vilas fortificadas.
BBCBrasil.
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