quinta-feira, 7 de janeiro de 2021

Vida de viajante

    
  Quando eu era adolescente minha mãe biológica foi morar em Salvador e levou com ela alguns dos meus irmãos mais jovens. Foi a desculpa perfeita que encontrei pra “escapulir” da minha família adotiva por alguns fins de semana e, às vezes, até uma semana inteira. Naquele tempo telefone era um luxo que minha família biológica não poderia se dar. Então, se eu dizia que estava na casa da minha mãe, em Salvador, era lá que eu estava. Mas que nada. Eu sempre tive espírito aventureiro, e como sabia dirigir e alguns amigos mais velhos eram vendedores viajantes, eu me mandava com eles nas viagens, e eles gostavam porque eu revezava no volante e pagava minhas próprias despesas que eram, basicamente alimentação, pois na maioria das vezes eu dormia no carro. Tudo pelo prazer da viagem.

         Para os que vivem romanceando a vida dos viajantes, não sabem de nada. Inocentes. É verdade que antigamente não havia tantos acidentes nem assaltos nas estradas, mas a vida era dura. Nem tudo era asfalto, havia muitas estradas ruins, poucas pousadas, e quase sempre se dormia no veículo. Economizar era a palavra de ordem. Se o carro quebrasse, poderiam se passar horas e, de acordo com a região, até dias, esperando que passasse alguém pra ajudar ou dar uma carona até a cidade mais próxima onde se poderia obter socorro mecânico. A vantagem é que os motoristas eram muito solidários e ninguém deixava um cristão desamparado na estrada. Os caminhoneiros, então, eram os mais solícitos. Se percebessem que o “colega de estrada” era inexperiente, eles mesmos metiam a mão na massa e resolviam o problema.

         Mas foi nessa vida que comecei a conhecer outras localidades, primeiro pela Bahia, mais tarde, já maduro, viajei por outros estados. Viajando pela BR-116 (Rio/Bahia) todo posto de combustíveis tinha uma lanchonete ou churrascaria e, em cima do balcão, além do tradicional café, que era gratuito, havia também uma garrafa ou barrilzinho com as melhores cachaças destiladas de cada região, também gratuitamente. Quem chagasse, poderia se servir. E ninguém via pinguços se aglomerando no pé do balcão para encher a cara, de graça. Os motoristas, principalmente os profissionais, também tinham consciência de que não deveriam beber enquanto dirigiam. Era morte certa. No mínimo. Desemprego. E nos pernoites, a gente podia sempre desfrutar de alguma “boate”, onde havia algumas “primas” sempre dispostas e nos tratar bem e nos divertir. Lugares pitorescos ou muito bonitos, também eram visitados pelos viajantes. E foi assim que eu subi a serra de Milagres, desci no Buraco do Vento, em Tucano, e vi a Cachoeira do Ferro Doido em Morro do Chapéu.

         Viajar é uma aventura, principalmente quando se viaja por locais distantes e pouco conhecidos. O meu irmão mais velho, Zé Borges, viajava com seu caminhão lá pelas bandas de Altamira, no Amazonas, quando o calor apertou demais ele viu um laguinho na beira de um rio e resolveu ir até lá se refrescar. A descida da estrada até o lago era bem íngreme, pelo meio de um mato ralo. Com dificuldade ele chegou lá, tirou a roupa, ficando só de cueca, e começou a se banhar. Nisso apareceu um sujeito lá no alto, junto ao seu caminhão, e começou a gritar querendo dizer alguma coisa. Mas à distância não entendia o que o sujeito dizia. Zangado e aborrecido, resolveu ir até lá saber o que o tal sujeito queria tão desesperadamente. Foi subindo a ladeira com dificuldade, resmungando, e só quando chegou mais perto entendeu que o sujeito gritava: Sai daí! A sucuri te pega!

 

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