sábado, 1 de outubro de 2022

 


* Universos * 

Até finais do século 20, convivi com dois mundos, os quais, tirante seus oceanos, assemelham-se em tudo. Em ambos, parte de seus habitantes, era composta por homens maduros, gente vivida, amantes da boa música, dos bons vinhos, dos bons charutos. 

Pompeu, em resposta aos marinheiros desejosos em dissuadi-lo de embarcar durante uma tempestade, (Plutarco, Vida de Pompeu), disse em grego traduzido para o latim, “Navigare necesse (est) vivere non necesse”. 

Caetano Veloso pescou o verso e na sua composição “Os Argonautas” o imortalizou - “Navegar é preciso, viver não é preciso”. Da mesma forma, Fernando Pessoa em “O eu profundo e outros eus”, escreveu: “Navegadores antigos tinham uma frase gloriosa: - Navegar é preciso, viver não é preciso -. Quero para mim o espírito desta frase, transformada a forma para casar com o que eu sou: Viver não é necessário; o que é necessário é criar”. 

Como navegar é preciso, naveguei nos distintos oceanos. Para chegar aos habitantes do primeiro universo, enfunava as velas da minha nau e velejava nas águas postais. Para estar com os habitantes do outro, tal qual Mercúrio dos romanos, asas céleres aos pés, clicava teclas e até eles me transportava, como assim prossigo, pelas águas eletrônicas. 

Custou-me um bocado deixar de ser um Cabral ou um Colombo e ser (voltar a ser?) o mitológico e urgente mensageiro. Afinal, velocidade não é atributo adequado ao degustar charutos. Quem desavisado, porventura o faça, aquece o produto em demasia e compromete o sabor-mel do bom tabaco. 

Sou - gostaria continuar sendo - amante das cartas manuscritas, do papel pegado com carinho, da retórica, do pedir (e dar) a benção paterna, dos textos mais adjetivos. 

Os tempos, todavia, mudaram e frente à dicotomia entre o ser e o não-ser, entre o antigo e o moderno, aprendi a movimentar-me. Lutar contra as inovações, quem há de? 

Alguns viventes do universo das águas postais relutam, bravamente, a mudar de planeta. Um deles, tempos atrás, ao indagar-lhe se dispunha de e-mail, respondeu-me: “Meu amigo! A última coisa mais moderna que comprei foi uma caneta Parker 51”. Fantástico! Malgrado tal declaração - original licença poética - ele não deixa de ser um homem antenado com o mundo. 

Apesar de toda a evolução, queiram ou não os habitantes do universo eletrônico, charutos seguirão sendo charutos: fumo mais fumo: Mercúrio algum conseguirá transportar. As velhas naus, hoje aviões, continuarão sendo necessárias para os charutos chegarem a seus destinos. 

Concluído o périplo, sendo você leitor, o destinatário, poderá então, empunhá-los com carinho, aspirá-los delicadamente, admirá-los com enlevo e, uma vez acesos, desfrutá-los com prazer. 

Afora tanto, habitante de um ou outro universo, caso esteja em busca da satisfação conferida pelos puros, bastará falar comigo. Lembre-se: onde há fumaça de charutos, há requinte. 

 Hugo A. de Bittencourt Carvalho, economista, cronista, ex-diretor das fábricas de charutos Menendez & Amerino, Suerdieck e Pimentel, vive em São Gonçalo dos Campos – BA.

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http://livrodoscharutos.blogspot.com

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