segunda-feira, 24 de outubro de 2022

Crônica de segunda

 O velho Luiz Lobo


Conheci Luiz Lobo quando ele era administrador da fazenda “Paus altos”, do coronel Carlito Bahia, no vizinho município de Antônio Cardoso. Era um sertanejo “da gema”, com falas e expressões que só um sertanejo nordestino tem. Era boa pessoa, trabalhador, amigo, mas um pouco distraído, e por isso mesmo era alvo das brincadeiras de todo mundo, principalmente, de Pipiu, seu principal algoz. Uma vez, numa conversa, ele disse: “...Uma perdiz quando avoa”... Pipiu chamou sua atenção: “Avoa, o que, Luiz”? Ele, sentindo-se traído pela língua, emendou: “Eu não falei, “avoa”, eu falei, avua”.

Eu e Lú Bahia éramos crianças, e Pipiu nos pagava para pegar tanajuras para depois solta-las sobre o chapéu do pobre velho. Uma das brincadeiras favoritas de Pipiu era amarrar os cadarços dos sapatos do velho, enquanto ele cochilava numa espreguiçadeira na varanda. Ou então, incendiar o jornal enquanto ele lia.

Uma certa manhã, ele me chamou para ajuda-lo numa brincadeira. O velho tinha saído a cavalo, bem cedo, para olhar um gado, verificar o andamento de alguns trabalhos no campo, essas coisas da roça. D. Glorinha, dona da casa, tinha deixado para ele, café, leite, bolachas e pão, sobre a mesa, pois ele se atrasou e todos já tinham tomado café. Com um prego, eu furava as bolhas das bolachas e Pipiu colocava dentro uma pitada de sal e um pedacinho de pimenta malagueta. Depois, trocou o açúcar do açucareiro por sal. Quando o velho chegou, faminto, jogou logo umas três bolachinhas na boca e saiu “cuspindo fogo”. Pensando em “aliviar” o ardor, pegou uma xícara de café com leite, botou o “açúcar”, mexeu com uma colher e bebeu. Foi pior a emenda.

Ele fumava, mas jamais pedia um cigarro a Pipiu, porque sabia que viria com uma bomba dentro. Ele tinha passado um dia todo sem fumar e, à noite, antes de ir dormir (ele dormia num quarto, no terreiro, todo envidraçado), ele não resistiu e pediu um cigarro. Pipiu, que tinha passado o dia inteiro com um maço especialmente preparado, deixou que ele mesmo escolhesse o cigarro. Luiz acendeu, e a gente ficou nas frestas das janelas, observando aquela “brasinha” passando pra lá e pra cá, na escuridão. De repente, um clarão e um estouro, seguidos de palavrões impublicáveis.

Ele tinha plena confiança em Ada, esposa de Pipiu e sua comadre. Mas essa confiança foi abalada um dia, quando ela participou de uma “pegadinha”. Pipiu arranjou um couro de bode, fedendo como o diabo, e forrou com ele o colchão da cama de Luiz Lobo, cobrindo depois com um lençol e uma colcha. Ele passou horas procurando pelo quarto, achando que algum gato tinha feito cocô no quarto. Quando ele descobriu, foi uma zorra.

Ada disse que ia resolver o problema, só que ela tirou o couro mas, embolou junto com o lençol e jogou debaixo da cama. O quarto continuou fedendo.

Mas Luiz Lobo era espirituoso e tinha também seus momentos de brincadeira e gozação. Certa vez, o coronel Carlito Bahia comprou um cavalo e levou para a fazenda. Experiente, assim que viu o animal, Luiz Lobo percebeu que o cavalo era mais velho do que aparentava e que tinham conseguido enganar o coronel, vendendo gato por lebre. Como bom repentista que era, saiu com estes versos:

Satanás, reis, engenheiro

Senhor de grande ciência

Mas faltou sua experiência

Pros anos desse sendeiro

Pois este foi o primeiro

Que ao capim deu abalo

Satanás para amansa-lo

Grande trabalho lhe deu

Pois que quando Adão nasceu

Já vivia este cavalo.


NE: Publicado no livro A Levada da Égua e outras histórias (2004)

Nenhum comentário: