sexta-feira, 14 de outubro de 2022

Jogos de celular podem funcionar como ‘ginástica para o cérebro’ de idosos?

(Getty Images) Em pouco mais de três décadas, o número de idosos no Brasil duplicou

A resposta mais honesta para a pergunta do título desta reportagem é: depende. Embora não seja uma "bala de prata" contra a demência, os jogos de celular podem, sim, ajudar se a pessoa gosta daquela atividade e sente-se desafiada.

Mas eles devem ser encarados como um complemento às outras atitudes que fazem bem ao cérebro durante o envelhecimento, como aprender novas habilidades, ter uma boa alimentação e fazer exercício físico — e nunca podem ser fonte de isolamento ou substituir o contato com outras pessoas.

A aposentada Leia Nascimento mostra com orgulho a coleção de medalhas que mantém exposta na parede da casa. Aos 65 anos, ela pratica remo, canoagem e stand up paddle em Santos, no litoral paulista.

Certo dia, ela chegou à conclusão de que a atividade física não era mais suficiente. "Sentia que eu precisava exercitar o cérebro também", conta. 

Foi aí que ela resolveu se matricular num curso voltado a pessoas com mais de 60 anos que ensina não apenas a jogar videogame, como também a programar e a criar o seu próprio jogo eletrônico.

"Estou amando. Além de desenvolver o raciocínio, a atenção, a memória e a velocidade, essa é uma oportunidade de socializar. Sempre tem um cafezinho depois da aula", confessa.

Nascimento logo começou a incentivar outras amigas a participar da iniciativa. Uma das que toparam o desafio foi Maria Helena Abad, que está prestes a completar 81 anos.

"No início, quando me falaram que o curso era pra quem tinha 60 anos, pensei que não seria capaz, já que tenho 20 anos a mais", lembra.

"Mas resolvi fazer mesmo assim e está sendo muito bom. Tenho que prestar atenção para aprender e aplicar o que o professor nos ensina", complementa.

De fato, os últimos anos foram marcados por uma explosão no mercado dos videogames e dos aplicativos voltados ao treinamento cerebral, especialmente para idosos.

De forma geral, eles prometem manter ou aprimorar atributos como memória, raciocínio e atenção — algumas dessas plataformas falam até em prevenção da demência.

Experiência de vida real

Nascimento e Abad viram nas aulas de programação de jogos uma oportunidade para aprender novas habilidades e criar (ou reforçar) laços de amizade.

Após cinco meses de curso, elas não se arrependem da decisão.

"Eu não apenas aprendi coisas diferentes, como também aumentei a satisfação com a vida e a autoestima, porque vi do que sou capaz", declara Nascimento.

Nascimento (à esquerda), mostra com orgulho as medalhas conquistadas nas provas de remo; Abad (à direita) foi convidada pela amiga a entrar no universo dos jogos

O programador Fabio Ota é o professor da turma. Ele fundou a empresa ISGame (sigla em inglês para "Escola Internacional de Jogos"), pela qual criou um aplicativo de treinamento cognitivo disponível para iOS e Android e também oferece os cursos para o público com mais de 60 anos nas cidades de Santos, São Paulo e Jundiaí.

A iniciativa contou com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e passou por estudos na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Além dos especialistas em programação, a equipe conta com neurologistas, gerontólogos, geriatras, psicólogos e fisioterapeutas.

"Nossas avaliações mostraram que aprender a jogar videogames está relacionado a ganhos de memória, concentração, planejamento e qualidade de vida", lista.

Além do aplicativo, que pretende atingir um público maior Brasil afora, ele acredita que as aulas presenciais permitem criar conexões e aprofundar o aprendizado.

"Não queremos formar desenvolvedores de jogos, mas usar essas ferramentas como um meio para a melhora cognitiva", diz.

"Além das aulas, agora nós marcamos encontros no shopping, em que ficamos mexendo no celular e ensinando umas às outras. Isso é excelente não só pra gente aprender mais, mas também para estar com os amigos e dar boas risadas."

Interesse em alta

Dentro desse contexto, não dá para ignorar o processo de envelhecimento da população no país: o IBGE calcula que 14% das mulheres e 11% dos homens brasileiros têm mais de 60 anos.

Em pouco mais de três décadas, o número de idosos duplicou — e o grupo etário que mais cresce é o de pessoas acima dos 80 anos.

A médica Sonia Brucki, coordenadora do Grupo de Neurologia Cognitiva e do Comportamento do Hospital das Clínicas de São Paulo, já percebe um aumento na demanda por esses jogos entre os pacientes.

"O acesso à internet e aos smartphones se popularizou muito nos últimos anos, assim como a disponibilidade desses aplicativos", observa.

Dados compilados pela Fanatee, uma empresa que atua nesse setor, revelam que o mercado de jogos de celular foi responsável por 52% de todo o valor movimentado pela indústria de videogames no ano passado.

No universo das telinhas, os jogos de palavras, charadas e quebra-cabeças — que se propõem a exercitar as habilidades cognitivas de forma direta ou indireta — representaram 25% dos downloads de aplicativos que se encaixam na categoria.

A própria Fanatee é um exemplo de como esse mercado se expandiu nos últimos anos: fundado no Brasil em 2013, o estúdio de jogos especializou-se no segmento de Braintainment, termo em inglês que significa "entretenimento para o cérebro".

A companhia tem hoje mais de 140 funcionários, atua em 200 países, disponiliza seus jogos em 11 idiomas e já ultrapassou a marca de 250 milhões de downloads.

O professor Fabio Ota (de pé, ao centro) com uma das turmas de jogos. Os alunos têm mais de 60 anos e fazem parte de um programa de envelhecimento saudável

Para alguns, eles representam uma forma divertida de passar o tempo e preencher os horários livres durante o dia.

A aposentada Vilma Lúcia Fernandes, de 67 anos, por exemplo, escolhe um jogo para cada momento do dia.

"Eu faço criptogramas quando vou ao banheiro, aquele de encaixar bloquinhos, se preciso esperar uma consulta médica ou uma comida no forno, e sempre reservo um momento do dia para fazer sudoku, que exige mais tempo e atenção", descreve.

A moradora da cidade de Conchas, no interior de São Paulo, confessa que, para ela, o objetivo principal nunca foi o de manter o cérebro afiado.

"Eu jogo porque gosto. Comecei há 30 anos, resolvendo as charadas em revistas ou jornais, e migrei para os aplicativos de celular", conta.

Para outros, porém, os jogos representam uma esperança de evitar esquecimentos e aprimorar o raciocínio. É o caso da aposentada Maria Helena Freire, de 79 anos, que vive em Manaus.

"Recentemente, percebi que a memória começou a falhar um pouco. Daí resolvi me dedicar aos jogos como uma maneira de ficar mais esperta, de forçar minha cabeça a trabalhar", diz.

A ex-professora universitária na área de pedagogia usa o tablet e o computador para acessar aplicativos de sudoku, palavra-cruzada e alguns que desafiam a formar palavras a partir de um conjunto de letras.

"Eu já não saio tanto e não tenho muitas tarefas em casa. No meu tempo livre, faço bonecas de pano para doação e acesso os aplicativos", resume.

Freire conta que os jogos também são um pretexto para reunir os irmãos, todos com mais de 60 anos.

"Estamos sempre juntos e às vezes jogamos online, em grupo, cada um de seu computador."

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