sábado, 22 de abril de 2023

 


* Foi bom * 

Meus ancestrais maternos, filhos de Garopaba, litoral catarinense, eram gente do mar. Dedicavam-se à pesca da baleia. Naqueles tempos, a cultura puramente extrativa não atormentava todos quantos que, como eles, faziam das águas a fonte do seu sustento. 

Garopaba e seu entorno, nos dias presentes, é o santuário brasileiro da baleia-franca, um dos maiores mamíferos existentes. Tal nome, oriundo da sua docilidade, a tornava fácil de matar. 

Na primeira década do século 20, minha avó, ainda menina, brincava no topo de uma elevação às margens da baia-santuário à qual chamavam ‘Vigia’, vigiando a entrada das baleias. Ao primeiro esguicho, denunciador da chegada dos cetáceos, descia o morro correndo, para avisar a boa nova aos pescadores. Em seguida, partiam com armas e bagagens, para arpoar os indefesos animais.

                                        [Agora, um século depois, na tranquilidade de Itapema,                                           vila de pescadores ao fundo da Baía de Todos os Santos.                                      enquanto desfruto meu charuto, acodem-me reminiscências                                         de tais fatos, narrados por minha avó.]

         Anos após, dado a crescente escassez de baleias oriunda da captura predatória, muitos pescadores catarinenses voltaram seus olhos para a cidade-porto de Rio Grande, lá no finzinho do mapa do Brasil, cujo mar tornara-se propício à pesca de tainhas, devido à construção de um molhe mar a dentro. 

Dos resultados de tal migração, ainda lembro. Corriam os finais dos anos 40, inícios dos 50. Nosso passadio era a base dos frutos do mar. E, maravilha das maravilhas, inexistindo as preocupações quanto à preservação das espécies, não havia o período de suspensão da pesca, agora conhecido como ‘defeso’. Dava-se então ao luxo, ora crime ambiental, de ter-se à mesa, travessas cheias de ovas de tainha, empanadas. Autêntico caviar brasileiro comido a mancheia. 

Por falar em coisas que se foram – quem as viveu, viveu; quem não as viveu não as viverá jamais – lembro-me também das brandas, macias e inigualáveis carnes de vitelo. Chama-se vitelo ao novilho com menos de um ano, mas naqueles tempos, chamávamos vitelo ao bezerro não nascido, ao feto da vaca. À época, vacas prestes a parir eram abatidas numa insensatez que, por ser inconsciente, não guardava remorsos. Muito ao contrário. Os churrascos com carnes daqueles vitelos desmanchavam-se em sabores consentidos os quais, com água na boca, evoco. 

Tão saborosas,, como este momento de saudade e meu charuto, ao desfazer-se em cinzas e fumaça. 

Cada momento, daquele distante passado poderá ter sido politicamente incorreto, mas que foi bom, foi!   

 

Hugo A. de Bittencourt Carvalho, economista, cronista, ex-diretor das fábricas de charutos

Menendez & Amerino, Suerdieck e Pimentel,

vive em São Gonçalo dos Campos – BA.

[email protected]

http://livrodoscharutos.blogspot.com

Nenhum comentário: