terça-feira, 25 de abril de 2023

Realidade e poesia

Cesar Oliveira
É preciso resistir ao que nos dilacera como se as cancelas da alma não fossem de isopor, os moinhos não fossem cavaleiros imaginários e a poesia fosse concreta. Porque estamos -nos dias atuais -sempre a um passo da selvageria, do desapego total, que nos aparta da beleza, da inocência, do afeto despretensioso e da longevidade das comunhões.
Não, não falo da beleza das paisagens- de fora para dentro- e sim da capacidade de encontrar uma espécie de deus na delicadeza dos detalhes e dos gestos. Uma carta em papel, um poema lido em voz alta, uma declaração sincera a um amigo, uma mulher ruborizada. Sim, uma mulher ruborizada. O limiar de um mundo que se finda, o último mirante antes do crepúsculo definitivo e dos discursos beligerantes.
É necessário criar aceiros, levantar barricadas, antes da ocupação pelo excesso de exigências da realidade que torna nossas falhas uma sentença; nosso insucesso, uma condenação; como se não fossemos frágeis e a vida não fosse uma permanente armadilha.
Confesso que, às vezes, me sinto como se tivesse endurecido, como se não pudesse mais achar a palavra limpa, nem conjugasse ilusões, de tanto assédio das horas desertas e reais. E sei, então, que é preciso bater a palavra na pedra de lavadeira para deixá-la clara e tomar, então, o caminho de volta, antes que seja tarde demais.
Todos nós...

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