sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Caminho de Salvador à Costa do Sauípe revela 'dois mundos' da Copa

Salvador ainda sofre com problemas sociais. Foto: Julia Carneiro/BBC Brasil
Perto do 'paraíso' da Costa do Sauípe, pessoas vivem em favelas

Basta pouco mais de uma hora na estrada para chegar de Salvador a Costa do Sauípe, mas o portal de entrada do complexo de resorts, com a imensa faixa da Fifa anunciando o sorteio da Copa do Mundo, simboliza a entrada em um mundo à parte.
Na pequena "Cidade Fifa" em que foi transformado o complexo turístico baiano, circulam bicicletas laranjas patrocinadas por um banco. Os restaurantes não servem cervejas que não sejam as patrocinadoras do evento. A sinalização indicando tendas, hotéis e áreas VIP traz a inconfundível identidade visual da entidade máxima do futebol.
Uma árvore de Natal instalada em um dos canteiros de entrada foi decorada com as bandeiras de todos os 32 times que serão sorteados nesta sexta-feira, revelando a sorte (ou não) das seleções e os adversários que vão enfrentar a partir de 12 de junho do ano que vem.
Mas em Salvador basta perguntar a um soteropolitano sobre os problemas da cidade, que violência, falta de transporte público e trânsito estão na ponta da língua – e a situação não parece melhorar com a Copa se aproximando.
Os índices de homicídio na Bahia duplicaram na última década, e a região metropolitana de Salvador – recentemente destacada em reportagem do New York Times como "a capital dos homicídios" no Brasil – inclui dois dos cinco municípios com maior taxa de homicídios no Brasil – Simões Filho e Lauro de Freitas, segundo o Mapa da Violência 2013.
O alto índice de assaltos pela cidade levou os estudantes de ciência da computação Marcio Vicente Gomes Filho e Felipe Barbosa Santos, ambos de 22 anos, a desenvolver o site Onde Fui Roubado.
O portal é uma espécie mapa dos assaltos na cidade. Usuários informam onde foram roubados e podem visualizar as áreas com mais ocorrências na cidade, muitas não registradas em delegacias.
Polícia no pelourinho. Foto: Julia Carneiro/BBC Brasil
Lugares turísticos, como o Pelourinho, são focos de assaltos em Salvador

"A violência aqui em Salvador incomoda todo mundo", diz Marcio. "A gente está sempre com medo de ser assaltado, não consegue andar com tranquilidade na rua. O site pode ajudar as pessoas a se prevenirem."

'Só a parte boa'

Nos resorts de Costa do Sauípe, o evento da Fifa tem um forte esquema de segurança. Só entram pessoas credenciadas, e o público geral não pode chegar perto.
"Só estão mostrando a parte boa, né? O filé", diz o vocalista de pagode Álvaro Souza Júnior, de 40 anos. "Lá não vai ter ninguém para protestar nem falar nada."
Júnior estava entre milhares de torcedores do Bahia que, na última quarta-feira, torravam sob um sol escaldante na fila da Arena Fonte Nova, na luta para comprar ingressos para o jogo contra o Fluminense no domingo, pelo Campeonato Brasileiro.
Ali, torcedores não escondiam a ansiedade para saber quais adversários a seleção vai enfrentar. Mas o isolamento do evento em Costa do Sauípe parecia reproduzir a distância que muitos disseram sentir em relação ao campeonato em si.
"Animado, mesmo, eu não estou, porque queria ter acesso aos jogos mas não vou ter, é tudo muito caro", diz Jorge Luiz Santos Silva, um motoboy de 48 anos que "já saiu da maternidade vestido de torcedor do Bahia".
"Essa Copa não é uma coisa visada para o povo brasileiro. Está sendo feita para que se tenha uma imagem melhor do Brasil lá fora. Enquanto isso, a segurança aqui é ridícula, o transporte público é ridículo. Vivemos uma estrutura política muito danificada", reclamava.
Nascido em Salvador em uma época que a cidade "era mais pobre, mas mais elegante e bem-cuidada", o antropólogo e escritor Antonio Risério diz que hoje a cidade está "abandonada e mal-tratada", sofrendo com a violência que reflete a sua profunda desigualdade.
Ele diz não perder um jogo de futebol, mas lamenta o que está sendo feito para a Copa do Mundo em Salvador e em outras cidades brasileiras – ou melhor, deixando de ser feito.
"De modo geral, acho que a gente vai perder uma grande oportunidade", diz, dando o exemplo da transformação ocorrida em Barcelona ao sediar os Jogos Olímpicos.
"Aqui, temos um bando de governantes medíocres que não têm a menor noção de urbanismo e arquitetura, que só pensam em cimento, cimento, cimento e não consideram aproveitar a Copa para redesenhar suas tramar, pensar em soluções para seus problemas."
"Já Sauípe é um lugar horroroso, kitsch, falso. É a cara da Fifa", diz.

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