segunda-feira, 19 de junho de 2017

Quando cerveja não é álcool: por que publicidade da bebida é liberada no Brasil e provoca polêmica



Em dezembro do ano passado, um comercial de TV em que uma versão "surfista" de Papai Noel e seus elfos desembarcava no Rio de Janeiro e coletava bagagens com o logo de uma marca de cerveja brasileira (Itaipava) despertou polêmica e acusações de associação indevida com símbolos infanto-juvenis.

Julgada pelo Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária, organização não-governamental formada por publicitários e profissionais de outras áreas, a campanha foi considerada válida diante do argumento de que a caracterização do personagem se distanciava das representações tradicionais.

Porém, para uma corrente de especialistas em políticas de saúde pública, o debate sequer deveria ter ocorrido.

Seu argumento é de que o comercial, no mínimo, deveria ter sido veiculado em horários com menor probabilidade de atingir telespectadores mais jovens.

Mas aos olhos da legislação, a cerveja não é considerada uma bebida alcóolica no Brasil quando assunto é publicidade.

13 graus

A Lei 9.294, sancionada em 1996 pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso, estabelece restrições à propaganda de álcool - incluindo a determinações de "empurrar" comerciais de TV para o horário de 21h às 6h, por exemplo. Mas o parágrafo único da lei é claro em seu regime de exceção:

"Consideram-se bebidas alcoólicas, para efeitos desta Lei, as bebidas potáveis com teor alcoólico superior a treze graus Gay Lussac".
Boa parte das cervejas disponíveis no mercado brasileiro sequer chega aos 5% - e as que têm mais do que isso em geral são artesanais ou importadas.
Com isso, ficam excluídas das restrições não apenas as cervejas como também as misturas de álcool com sucos de frutas e refrigerantes (vodca, por exemplo), conhecidas como "ice".
Mas é o "estado de exceção da cerveja" que recebe maiores críticas de especialistas em políticas públicas de saúde. Isso porque, de acordo com pesquisas, é a bebida alcóolica consumida por 60% dos brasileiros que ingerem álcool.

"Temos um problema grave com o consumo de álcool no Brasil", diz Maristela Monteiro, assessora regional da Organização Mundial da Saúde (OMS). "Mas a principal bebida consumida pelos brasileiros não sofre restrições publicitárias puramente por uma combinação de lobby da indústria e falta de vontade política, quando até a legislação de trânsito brasileira estabelece uma tolerância baixíssima com o álcool."

"Não se pode ter uma discussão séria sobre iniciativas pró-consumo moderado de álcool no Brasil sem abordar a questão publicitária, ao lado de uma política de maior taxação de produtos e de um controle de oferta", afirma a médica.
O mais recente estudo da OMS sobre o consumo de álcool no Brasil, publicado em 2014, detecta uma queda no consumo per capita de álcool entre os anos de 2003 e 2010 (9,8 para 8,7 litros). (Leia amtéria completa no BBCBrasil)



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