terça-feira, 13 de junho de 2017

Tive de ser 'sargentona' para ganhar respeito, lembra jornalista pioneira no Brasil



 Ana Arruda Callado, jornalista e escritora, foi a primeira mulher a ocupar a chefia de reportagem de um jornal no Brasil. A viúva do escritor Antônio Callado esteve recentemente em Londres e visitou a BBC, onde Callado trabalhou de 1942 a 1947. Ela compartilha aqui com a BBC Brasil sua história de pioneirismo no Jornalismo:

Em 1966, o Diário Carioca, um jornal com grande prestígio na cidade e que se vangloriava de ser pequeno - tinha apenas 12 páginas -, iniciou uma reforma.

O novo dono, Horácio de Carvalho, chamou o jurista Prudente de Morais Neto para a direção do jornal. Este escolheu Zuenir Ventura, que havia se destacado na Tribuna da Imprensa, para a Chefia de Redação. E para a Chefia de Reportagem? Discutiram o tema e chegaram a um nome: Ana Arruda, que no Jornal do Brasil havia assinado reportagens importantes.

Houve grande propaganda em torno do fato de uma mulher, pela primeira vez, ter ocupado esta função. Um jornal inovador, foi a mensagem. Para mim, um desafio e uma comprovação: eu tinha chegado lá; estava entre os jornalistas que admirava.
Sofri, em Belém, por parte do assessor de imprensa da prefeitura um assédio que me fez muito medo. 'Você acha que me engana com essa história de repórter? Mulher viajando sozinha eu sei o que é' - foi a abordagemAna Arruda Callado
Eu havia feito vestibular para o Curso de Jornalismo da Faculdade Nacional de Filosofia no início de 1955. Terminara o Curso Científico no Colégio de Aplicação da então Universidade do Brasil e não perguntem por que escolhi ser jornalista, quando minhas disciplinas preferidas no colégio eram Matemática e Física.

Ninguém mais do colégio optou por esse caminho. Na turma da FNFi, as outras mulheres eram funcionárias públicas que buscavam um diploma para ascender no emprego. Uma única, Mary Akierstein, queria, como eu, seguir a carreira. E seguiu, por pouco tempo, e hoje é Mary Ventura, esposa de Zuenir.
O curso universitário era apenas uma etapa necessária para conhecer melhor a profissão e amadurecer um pouco. Afinal, eu tinha apenas 17 anos. Mas estava decidida, apesar de ninguém da minha família ter seguido o jornalismo. Sendo uma das doze filhas de meus pais (eles tiveram e criaram bem ainda mais três homens), ouvi daquele pernambucano nascido no final do século 19 o seguinte conselho: "Estudem, minhas filhas, tenham uma profissão, ou vocês vão ser escravas de homens".
Havia tido, anos antes da faculdade, uma experiência marcante. Era da Ação Católica e um dia apareceu, em uma de nossas reuniões, um rapaz chamado Cícero Sandroni, com um convite. Estava sendo criado um jornal do movimento, o Roteiro da Juventude, e precisavam de colaboradores. Imediatamente me apresentei. Além de Cícero, trabalhava no jornalzinho uma moça do Colégio Sion, Laura Austregésilo de Athayde, filha do conhecido jornalista e mais tarde presidente da Academia Brasileira de Letras.
Fiz umas pequenas matérias até que, um dia, surgiu a grande oportunidade. Cícero queria ir ao cinema com a moça, mas esta, séria, impôs uma condição: só aceitaria o convite se o jornal já estivesse, como ele havia prometido, na gráfica. Ele pediu minha ajuda e lá fui eu conhecer pela primeira vez um jornal de verdade, a Última Hora, e logo pela oficina.
Os gráficos me ajudaram muito, achando graça naquela menina metida a jornalista. Fechei o jornal - e Cícero e Laura estão casados há mais de 50 anos.Leia mais no BBCBrasil

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