sábado, 1 de fevereiro de 2020

Nossos filhos não podem morrer de excesso de vida



Meu universo de informação, aos dez anos, era composto pelos poucos livros da escola, as coisas que meu pai e mãe faziam, as notícias em um rádio- que ainda tenho, e onde ouvia a Vida de Lucas, o médico-, que me fez escolher a profissão, e um ou dois jornais por mês que meu pai trazia de Feira de Santana, lá para a roça. Não tínhamos Tv, nem luz. O meu mundo de dilemas, dramas, comparações com vidas alheias, era tão restrito quanto podia ser a vida nos inicio dos anos 70.
Mesmo quando fui para Salvador, estudar, sozinho, aos 10 anos, morando em uma pensão, não houve excessiva modificação das possibilidades, exceto a ampliação de minha timidez e a leitura de mais livros emprestados por um colega de turma cujo pai tinha uma boa biblioteca, fundamental a minha sobrevivência.

A ambição de consumo não ia além de um ferrorama, ambição de transporte era pegar um buzu com ar condicionado, a ambição de festa era a Ballamour e Juvená, e uma batida, no Popular, ou Diliana. A vida sexual se encaminhava de um de outro jeito, apesar da falta de instrução. Na pior das hipóteses, no Clube Fantoches, no Campo Grande, a gente conseguia umas encoxadas, porque as "meninas de bem", demoravam demais de dar o ar de suas graças em nossa sopa.
Então, de repente -ainda, o mesmo humano-, os jovens foram obrigados a terem milhares de opções de lazer, obrigatoriamente a serem escolhidas, documentadas e exibidas, sob o permanente risco do ostracismo e da inferioridade e de uma vida sem graça, a qual, por sinal, os pais se esforçam em não permitir.
A vida sexual, por sua vez, tornou-se imperiosa, cada vez mais precoce, e variada, afinal, a intensidade e realização concentrou-se na quantidade como forma de compensar a incapacidade da realização na intensidade do encontro. E fomos nos tornando desnecessários ao outro.
E a vida de adulto - além do sexo-, com infinitas informações, ocupação total do tempo, hedonismo interminável, narrativas a serem criadas, decisões- inclusive sobre as agendas paternas-, invadiu a vida dos jovens, retirando deles aquela longa travessia que se fazia entre um e outro estágio.
E por terem se tornado adultos tão cedo, perderam o amadurecimento da juventude, e sendo adultos, sem amadurecimento, não passam de jovens fragilizados que não estão suportando as frustrações que vida traz.
Ter mais, levou os jovens a ter menos deles mesmos, trocando o interno pelo externo, o imaginário pelo objetivo, e, assim, estamos perdendo nossos filhos para o medo, para a morte, o suicídio, o isolamento, a dependência química, médica e medicamentosa.
Estamos indo longe demais. É hora de dar um passo atrás e revermos o que é realização e felicidade.

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