quinta-feira, 11 de fevereiro de 2021

Meu amigo Barraco

     

Eu já falei aqui sobre o meu amigo Justino (Barraco para os íntimos) e disse como nossa amizade começou e floresceu. O que eu não disse é que eu não sabia da verdadeira extensão da nossa amizade. Éramos parceiros de farras, pescarias e cantorias, sem ir muito além disso. Minha vida sempre foi pontilhada de altos e baixos. Numa hora estava tudo bem, na outra estava tudo mal. E foi assim que eu me encontrava num dos piores momentos da minha vida. Num aperto danado. Buscava desesperadamente uma ocupação qualquer para simplesmente sobreviver. E foi assim que Barraco me encontrou num bar (tinha que ser) e entre um gole e outro eu comentei sobre a minha situação, dizendo a ele que estava topando qualquer negócio. Pra minha surpresa ele me perguntou: Por que você não viaja comigo?

Fiquei meio sem entender e ele explicou: “eu vou viajar agora no fim do ano pra abastecer meus clientes. É uma época em que se vende muita joia e bijuteria. Alguns amigos sempre vão comigo, porque enquanto eu atendo os clientes de lojas, eles montam bancas e vendem no varejo, ganhando comissão pelas vendas. Posso fazer o mesmo por você”. Eu ponderei que não entendia nada do ramo e que não tinha dinheiro para viajar. Ele resolveu essa parte dizendo que minha despesa seria toda paga e ele colocaria alguém comigo para me ajudar. Não pensai duas vezes e embarquei em mais uma aventura.  Deixei mulher e filhos em casa, inclusive o caçula, que tinha cerca de seis anos, e parti em viagem pelos estados do Nordeste, começando por Pernambuco indo até o Ceará. Tudo estava indo relativamente bem, mas eu estava ansioso por chegar em Canindé e Juazeiro do Norte, onde havia as romarias e o comércio de joias era intenso.

Mas, ao chegarmos em Igatu, Barraco demorou mais que o previsto e arranjou carona para nós que estávamos viajando com ele, seguíssemos para Canindé para adiantar as coisas e ele nos alcançaria depois. Estava tudo bem. Nos arranchamos num hotel e montamos as bancas na praça. Até que eu não estava me saindo mal como camelô, e os colegas ajudavam mesmo, principalmente contra a espertezas do ladrões e golpistas. Aí chegou a notícia que abateu todo mundo. Barraco avia atropelado na estrada um jumento que era puxado por um idoso. Na pancada, o jumento se chocou contra o velho, jogando-o fora da estrada. Ele bateu a cabeça numa pedra e morreu. A Polícia o salvou dos populares que queriam linchá-lo, mas ele estava preso. Eu sei que no Brasil tudo é uma questão de dinheiro, mas ainda assim fiquei apreensivo. Eu estava muito longe de casa, com pouco dinheiro no bolso e nada poderia fazer pelo meu amigo. Ainda de carona seguimos para Juazeiro do Norte, onde Barraco tinha um apartamento e lá nos instalamos.

Cerca de dois ou três dias depois Barraco chegou a Juazeiro, mas não antes de ter perdido, para o advogado e para a polícia, o dinheiro que tinha nos bolsos grande parte da mercadoria que levava na mala do carro. Como se diz, vão-se os anéis, ficam-se os dedos. Barraco tinha mercadoria armazenada no apartamento em depósitos que ele alugara para não ter que ficar transitando com o carro cheio de um estado para o outro. Estórias contadas, lambidas as feridas, juntados os cacos, fomos à luta. Uma hora eu estava despachando numa banca, outra hora estava ajudando Barraco a carregar as mercadorias indo de loja em loja, e assim passamos nossos últimos dias antes de voltar pra casa. Pelo que disseram, aquela fora a pior viagem que fizeram, não só pelos acontecimentos, mas também comercialmente. Vendeu-se bem abaixo do de costume e Barraco teve prejuízo. Mas se alguém aí pensa que ele estava triste, abatido, errou feio. Aquela alegria inata nele continuava ali firme e forte, confirmada pelo bom humor e sorriso largo no rosto, que eram a sua marca.

Voltei pra casa com algum dinheiro no bolso, um brinquedo para meu filho caçula, e uma constatação: Eu tinha um grande amigo!

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