sábado, 19 de junho de 2021

A Saga dos caranguejos

         


        Tudo começou comigo pensando que agora estamos sozinhos, como há 41 anos, só eu e Cristóvam em casa. Até o filho caçula já bateu asas. Me lembrei que quando começamos, a gente comia de marmita, e nos fins de semana quase sempre comia em algum bar ou restaurante e, às vezes, inventávamos algumas coisas pra fazer em casa. Cris gostava de caranguejos, e ele mesmo comprava, limpava e matava, e eu temperava e cozinhava. Quase sempre eu fazia um cozido de caranguejo, pra comer com o pirão feito do caldo. Era comer e bater a suadeira. Falei que nesse domingo faz 41 anos que estamos juntos, e agora sozinhos novamente, e sugeri fazermos alguma coisa diferente pro almoço. Falei em alguns mariscos e um peixe, e ele comentou que andava com vontade de comer caranguejo.

         Liguei para um frigorífico que fornece mariscos e peixes em sistema de delivery, fiz uma encomenda pra o mês: Badejo, camarão, filé de tilápia, lambretas, siri catado e... Caranguejos. Mas, a encomenda só poderia ser enviada na sexta-feira, porque era quando chegavam os mariscos frescos. Tudo bem. Na sexta-feira chegou só à tarde, tudo certinho, mas havia um problema. Os caranguejos estavam vivos e eu na minha santa ignorância achei que viriam já tratados. Antigamente não seria problema, porque essa era a parte de Cris, porque eu não mato nem uma mosca.  Mas, agora, com a deficiência visual, seria muito difícil pra ele limpar e matar os caranguejos. Fiquei ali, lembrando que aprendi a atirar com a espingarda de pressão dele, só pra poder matar baratas, como é que eu iria matar caranguejos. Falei com ele do meu problema e ele prontamente disse que limparia e mataria os bichinhos. Suspirei aliviada.

         Mas, no dia seguinte, quando fui conferir os ditos cujos, dois haviam escapado do saco. Um estava morto no chão e o outro em posição de defesa num canto de parede. O dia estava nublado e a luz era insuficiente para Cris. Ele tomou café e depois, já com o dia mais claro, foi lá cuidar dos bichos. Mas ainda estava ruim pra ele. Ai, meu Deus! Eu tinha que ajudar. Ele me pediu que apenas segurasse o caranguejo contra o pé da parede, que ele, com um espeto, o mataria. Não deu certo. Mas o caranguejo grudou suas garras no espeto e eu o levantei e coloquei dentro da pia. Foi o mesmo com o outro e logo todos foram colocados dentro de uma bacia. Cris bem que tentou, mas não conseguiu ver o ponto certo de atingir o bicho que se debatia muito. Aí começou meu desespero. Fiquei nervosa, me arrepiando toda de estar tão perto daqueles bichos, mas tomei coragem e consegui segurar com um espeto e orientar a mão de Cris pra ele poder executar o bicho. Demorou, e só muitos arrepios e sustos depois, ele conseguiu matar todos.


     Agora vinha a outra parte. Não era difícil, mas trabalhosa, limpar as pernas dos bicharocos. Cris sempre disse que quem inventar um depilador de perna de caranguejo vai ficar rico. Eu coloquei uma mesa perto da porta da cozinha, pra ter mais luz do dia, e ele, pacientemente, limpou tudo. Foi uma verdadeira saga de nervosismo, sustos e arrepios. Mas, valeu a pena o resultado. Porém, caranguejo vivo, nunca mais! 

 

NE: Agora estou gargalhando da situação que merecia ser filmada. Mas, ou eu filmava ou ajudava na tarefa.

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