Durante meses, algumas das maiores
lojas de departamentos do Brasil anunciam a chegada da data mais
esperada por quem espera fazer compras com grandes descontos: a Black Friday (nesta sexta, dia 29). Mas a data tão atrativa também se tornou a preferida dos golpistas digitais.
Dados
de empresas brasileiras de segurança cibernética apontam que a data é a
campeã em fraudes. Nenhum outro dia do ano tem tantas ocorrências de
consumidores enganados.
"A Black Friday é o 'Natal' dos golpistas.
É quando eles ganham mais dinheiro", diz Thiago Tavares, presidente da
SaferNet Brasil, organização sem fins lucrativos voltada para garantir
segurança em questões de privacidade e crimes na internet.
Ele
explica que a data é campeã de golpes porque une dois ingredientes
"explosivos": "O desejo do consumidor de comprar algo com um preço muito
mais baixo do mercado e, do outro lado, a vontade do golpista de ganhar
dinheiro".
"Tudo isso numa data em que o consumidor está mais vulnerável para assumir riscos em troca de um desconto maior."
Tavares afirma que esse impulso leva pessoas, atraídas por
um preço mais baixo, a comprar coisas em sites em que nunca compraram
antes, que não conhecem e não pesquisaram previamente.
"As pessoas ficam ainda mais suscetíveis a assumir
riscos e tomar decisões imediatas porque elas têm um dia só para
aproveitar. Muitas vezes, no intervalo do almoço, do café, para não
perder a promoção. Como ela vai pesquisar algo em tão pouco tempo?",
diz.
Para Bruno Almeida, especialista em segurança de dados e
diretor de inovação da Mandic Cloud, empresa de tecnologia especializada
em computação em nuvem,"essas são datas em que as pessoas ficam
angustiadas porque elas esperam esse momento o ano inteiro para comprar.
Se ela não ficar atenta aos detalhes, acaba comprando por impulso por
conta das mensagens de emergência."
O coordenador do MBA de
marketing digital na FGV, Andre Miceli, disse que as pessoas caem mais
em golpes na Black Friday porque têm a expectativa de encontrar preços
abaixo do normal — e não desconfiam deles.
"Em outras datas,
como o Dia dos Namorados, Dia das Mães e Natal, também há campanhas que
se estendem por semanas e as compras ocorrem de maneira mais espaçada. A
Black Friday é uma data prevista para negócios atípicos. É quando uma
anomalia de preço não chama atenção porque as pessoas estão habituadas a
fazer compras com preços anormais", afirmou.
Miceli afirmou que o
Brasil está entre os cinco países com os maiores números de ataques em
ambiente digitais. São 60 milhões invasões de hackers ou transações
comerciais fraudadas por ano.
Site clonado e corrente de WhatsApp
Um
dos golpes mais comuns na Black Friday é um dos mais antigos da
internet. O phishing é uma técnica usada pelos ladrões de dados para
enganar os clientes e roubar suas informações sem que percebam.
Para
isso, eles criam sites falsos — muitas vezes clones de grandes lojas — e
espalham esses endereços eletrônicos por email ou correntes de
aplicativos de mensagens, como WhatsApp e Telegram.
As mensagens
costumam ter textos alarmistas, de promoções que se esgotam em poucos
minutos ou das poucas unidades que ainda restam. Tudo isso para forçar a
vítima a fazer a compra imediatamente.
No impulso de se dar bem e
aproveitar um grande desconto, o consumidor coloca seus dados pessoais e
cartão de crédito no site espião. Do outro lado, os golpistas colhem
todas essas informações e as usam para fazer compras.
O mesmo pode
ocorrer com aplicativos, quando a vítima acredita que um app dará
descontos extras durante a Black Friday. Mas, após fazer o download e
autorizar que o programa tenha acesso a algumas informações do
smartphone ou tablet, o criminoso passa a receber informações sigilosas e
usá-las para fazer compras.
Também há quadrilhas especializadas
em criar lojas digitais ou contas de lojas falsas em market places
(sites de vendas criados em redes sociais). Segundo especialistas
ouvidos pela BBC News Brasil, os bandidos oferecem, neles, produtos que
não têm. O cliente compra um produto que não receberá.
Como evitar golpes na Black Friday?
Thiago
Tavares, presidente da SaferNet Brasil, diz que a pessoa que recebe
ofertas tentadoras pela internet deve ter calma e paciência para
confirmar se a oferta é verdadeira e se a empresa tem uma boa reputação.
"A
primeira coisa é digitar o site manualmente diretamente no browser para
evitar sites clonados. O acesso por links pode levar a páginas falsas e
enganar o comprador. Se a loja realmente estiver fazendo a promoção, o
cliente deve entrar em sites que comprovem a reputação da empresa, como a
plataforma www.consumidor.gov.br, do Ministério da Justiça, e o Reclame Aqui".
Ele
diz ainda que é possível confirmar pelo Google Street View se o
endereço registrado pela empresa realmente existe e se ela está no local
informado.
O especialista em segurança cibernética da Mandic Cloud Bruno Almeida
alerta que uma das principais dicas é desconfiar de qualquer link
encaminhado em grupos e até mesmo de maneira privada em redes sociais —
inclusive de pessoas de confiança.
"Participamos hoje de grupos de
WhatsApp com muitas pessoas que a gente talvez nem conheça. Até mesmo
conhecidos nossos podem compartilhar sites maliciosos, que roubam seus
dados, sem saber do que se trata. Não compre nada nesses sites sem
conhecer nem instale programas ou aplicativos em seu celular de empresas
desconhecidas.
Especialistas ainda indicam que o ideal é usar
conexões confiáveis ao fazer compras, como o plano de dados do celular
ou a rede de wi-fi da sua casa. Também só é recomendado fazer compras em
aparelhos com antivírus atualizados.
Também é recomendado que o
comprador visite as páginas das redes sociais das lojas em que planeja
fazer compras para saber qual a avaliação que ela teve de seus clientes
anteriores: se cumpriu o prazo de entrega, se o produto chegou
corretamente e se fez as trocas de maneira adequada quando necessário.
Confira se a página tem certificados de segurança digital, se aparece um cadeado ou a inscrição "https" na barra de endereço.
'Na dúvida, não compre'
Para quem está há meses à espera de uma data especial para compras, um dia pode parecer pouco para aproveitar as promoções.
O
coordenador do MBA de marketing digital na FGV, Andre Miceli, disse que
o mais importante neste momento é controlar as emoções e, por mais
difícil que seja, agir com calma.
"Desconfiar de tudo é o primeiro
passo. Quando a esmola é demais, todo santo desconfia. Isso vale não só
para compras, mas também para evitar cair em fake news. É importante
procurar uma validação para a informação por outras fontes daquilo que
você recebe", afirmou.
Segundo ele, o primeiro passo para evitar
esse tipo de situação é analisar o site em que o cliente pretende fazer a
compra. E se recebeu link em alguma mensagem, antes de clicá-lo,
verificar o site e confirmar se lá também existe a informação exibida no
link.
Miceli explica que é muito comum os sites clonados usarem
endereços muito parecidos com os clonados, que enganam facilmente quem
passa o olho rapidamente. Muitas vezes são sites brasileiros que
terminam com ".ru" ao invés de ".com.br" ou ".com". Esses são grandes
indícios de que o cliente deve evitar a compra.
Ele explica que
todos os anos surgem novos golpes diferentes e que as empresas de
segurança avançam na tentativa de barrá-los. Nos últimos anos, conta
ele, o sistema antispam do Gmail, por exemplo, evoluiu a ponto de barrar
boa parte das mensagens maliciosas e indesejadas. É um jogo de gato e
rato.
"É normal que o crime ande na frente, a ação é do criminoso,
há sempre pessoas criando novas formas de subversão. E por mais que os
mecanismos estejam ficando mais eficientes, é difícil barrar algumas
coisas", afirmou.
O que fazer se você cair num golpe desses?
Por
mais que existam formas de se proteger de fraudes, a Black Friday
sempre registra ocorrências desse tipo. Mas o que fazer se você for uma
dessas vítimas?
A advogada especializada em crimes cibernéticos
Flora Sartorelli, do escritório Duarte Garcia, afirma que a primeira
coisa a se fazer é entrar em contato com o banco ou a operadora de
cartão de crédito por onde foi feita a transação.
"Isso funciona para tentar bloquear a conta do
fraudador e conseguir restituir o dinheiro. Ou até mesmo bloquear o
cartão para evitar que a operação seja concluída e até evitar novas
fraudes", afirmou.
Ela explica que os bancos possuem um sistema de
inteligência capaz de detectar a maior parte das vezes em que um cartão
foi fraudado e bloquear a transferência de valores. Uma delas é quando
ocorrem várias compras seguidas com valores repetidos.
O próximo
passo, conta Sartorelli, é registrar um boletim de ocorrência. Ela
afirma que a vítima deve reunir o máximo de informações possíveis para
fornecer à polícia, como uma captura de tela do site onde a compra foi
feita, o CNPJ da empresa e o endereço físico dela.
No Estado de
São Paulo, caso haja indícios de que a fraude ocorreu graças à ação de
uma organização criminosa, a investigação é encaminhada para uma
delegacia especializada em crimes cibernéticos.
Prisão
Apesar
de os especialistas dizerem que é pouco comum alguém ser identificado e
preso por cometer fraudes cibernéticas, os criminosos podem responder
por diferentes crimes.
Criar um site clonado ou falso se enquadra
nos crimes contra a economia popular, de 1951. A pena é de seis meses a
dois anos de prisão.
Mas quando o golpista induz ou mantém alguém
em um erro, como fazer uma compra em um site falso ou transferir
dinheiro em troca de algum produto que não receberá, ele pode responder
por estelionato. Esse crime prevê uma pena de 1 a 5 anos de prisão.
Também
há o crime de furto bancário. Segundo Sartorelli, o crime é cometido a
partir do momento em que o criminoso insere informações pessoais obtidas
de terceiros em um phishing para fazer transferências e pagamentos.
O criminoso pode responder por furto simples, com pena de 1 a 4 anos de prisão ou até furto qualificado — de 2 a 8 anos.
Especialistas
relatam que muitos consumidores que caem em golpes de páginas clonadas
costumam culpar as páginas verdadeiras pela fraude. A advogada
especialista em crimes cibernéticos afirma que as empresas que tiveram
seus sites falsificados também são vítimas.
"Como é muito difícil
rastrear as pessoas que cometeram o crime, o ser humano quer achar um
culpado. Como não consegue, vai no que está mais perto porque sente que a
empresa verídica deveria ter um controle de clonagem de seu próprio
site, mas isso é muito difícil de ser feito e esse dever não está no rol
de atividades dela", afirmou a advogada Flora Sartorelli.
Ela
explica que só é possível acusar alguém de fraude se for possível provar
que essa pessoa contribuiu para que o golpe ocorresse ou por ter se
omitido de um dever para evitá-lo.
Há ainda os casos em que
empresas anunciam um preço na loja e quando o item é colocado no
carrinho aparece um valor maior. Ou então a loja anuncia um desconto de
50% de um produto que teve seu valor dobrado recentemente, recurso
conhecido como "metade do dobro".
Nesses casos, a advogada indica
que a vítima entre em contato com a própria empresa, pois pode ter
ocorrido um erro e o problema pode ser solucionado rapidamente. Caso a
empresa se negue a fazer um acordo ou devolver o dinheiro, o cliente
pode fazer uma reclamação no Procon do seu Estado.
Ela lembra que fazer propaganda enganosa é um crime com pena prevista entre 3 meses e 1 ano de prisão.
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