quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Desabafo de um médico brasileiro:

Foto ilustrativa
Em 1967 a Guerra do Vietnam envolvia um contingente cada vez maior de soldados americanos. A necessidade de atendimento aos feridos graves, entre eles vítimas de queimadura e intoxicação, demandava recursos materiais e humanos cada vez mais complexos. Os EUA construíram, então, na cidade litorânea de Da Nang, um hospital militar com o objetivo de atender suas tropas.
Nesta época não existia propriamente a especialidade hoje conhecida como Terapia Intensiva. Foi com espanto que os médicos militares começaram a atender um número cada vez maior de pacientes vítimas de intoxicação em função do chamado “agente laranja” e de outras substâncias químicas utilizadas para desfolhamento de florestas e localização dos esconderijos inimigos. As pessoas apresentavam como quadro clínico uma síndrome que envolvia, entre outros sinais e sintomas, o acúmulo de líquidos nos pulmões e a diminuição da capacidade de oxigenação do sangue. Essa nova doença ficou conhecida como “Pulmão de Da Nang” e hoje, nós intensivistas, a chamamos de SARA – Síndrome de Angústia Respiratória do Adulto.
Fiz esta breve introdução para dizer que é isto que pode acontecer com os sobreviventes do incêndio de Santa Maria. Mais: gostaria que ficasse muito claro a todos que este tipo de “coisa” não pode ser atendido (numa situação que envolve um número de pacientes tão grande) com a necessária segurança, em nenhuma capital brasileira.
Isto ocorre porque simplesmente não há unidades de terapia intensiva em número suficiente, nem respiradores artificiais para atender tanta gente.
Em meio a tanto desespero não há um só político ou autoridade da saúde com honestidade suficiente para dizer aquilo que escrevi acima.
Há pelo menos quatro décadas assistimos a gerações e mais gerações de secretários e ministros da saúde insistindo na ideia de medicina comunitária e prevenção.
Pois bem, pergunto agora: o que nós, médicos intensivistas, devemos fazer com as pessoas que sobreviveram ao incêndio de Santa Maria? Encaminhá-las para postos de saúde? Não se constrói um hospital público em Porto Alegre desde 1970! Pelo contrário; vários foram à falência e fecharam!
Que o Brasil inteiro saiba que é MENTIRA a afirmação das autoridades de que Porto Alegre tem leitos de UTI suficientes para atender toda essa gente! A secretaria estadual da saúde pode, se necessário, comprar leitos na rede privada mas mesmo assim é muita sorte haver algum disponível.
Com relação aos responsáveis por esta tragédia, deixo aqui a minha opinião – foi o poder público corrupto, negligente e incompetente, quem MATOU todos estes jovens! É esse tipo de gente que quer entupir o o Brasil com médicos de Cuba e do Paraguai, que manda médicos para o Haiti e que insiste em saúde “comunitária”, e que agora aparece na televisão chorando e abraçando os pais das pessoas que morreram.
Termino aqui; como em toda situação de guerra, a primeira vítima de Santa Maria, assim como em Da Nang, foi a verdade – jamais esqueçam isto !

Milton Pires
Médico Intensivista
Porto Alegre – RS.

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