sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Nasceu de novo Carlos Falcão




Levei alguns anos da minha infância pra descobrir que Tio Carlinhos não era meu tio de direito. Fiquei meio triste e muito confuso, como é que uma pessoa tão querida, tão presente em nossas vidas e tão fraternalmente ligada a meu pai podia não ser meu tio? Foi ele mesmo quem me ensinou. “Amigo é o irmão que a gente escolhe”.
Nos dias conturbados da minha adolescência frente às primeiras decepções com o ser humano, houve momentos de revolta em que me questionei se existia alguma sinceridade entre os adultos diante de tanto jogo de interesses e traições, de tão contraditório o mundo, de tão caros os enganos, tão difícil a vida, tão fácil a amizade que pimba!! Vem o socorro do subconsciente, trazendo a lembrança dele... o grande amigo de meu pai, o irmão que a gente escolhe , aquele que não lutava pela vida, vivia por prazer, não vivia a louca busca pela eficiência e pela conquista.
Simplesmente porque não dava valor ao dinheiro, mas sabia como poucos usufruir do que o dinheiro pode dar, valorizando cada minuto ao invés de cada centavo, cada amigo ao invés de cada conquista, não se preocupava em ser um vencedor simplesmente vivia uma eterna vitória, presente de Deus, um pecado não viver.. . E assim viveu até que o perdemos.
Surpreso, diante da perda repentina, ficou no início a dor da saudade, a falta da presença marcante, do coração grande, da voz rouca, da gabolice matreira, do cheiro de azzaro, dos conselhos sinceros na hora certa, do apoio certeiro nas horas difíceis, do vazio nas mesas, da gargalhada fácil fechando os olhos de tanto prazer de rir... E como ria o nosso gordo, e como sabia fazer rir , e sabia de histórias e contava histórias e nos mimava a todos com tanto carinho que tinha pelos amigos e tanto nos surpreendia quanto nos emocionava com uma sensibilidade, uma humildade que raros tiveram o privilégio de descobrir.
Era realmente um gordo talentosíssimo pra se disfarçar, pra camuflar a tristeza evitando seu contágio e abreviando sua duração, tanto que ele definitivamente a esquecia numa velocidade impressionante. E vivia... e como vivia intensamente o momento, pois como dizia ele, “felizes são aqueles que não precisam do futuro pra contar sua história”. De repente como não podia deixar de ser, ele faltou. A chama se apagou, o gordo se foi, morreu de tanto viver, morreu pela vida.
No velório samba enredo, no enterro fanfarra e alegria, presentes só os muitos amigos e uma vibração positiva que vinha da capacidade despreocupada de viver a vida como se fosse uma piada gostosa daquelas que se ri muito durante e ainda fica-se feliz no final. Todos estavam embriagados na alegria. Alegria não de perder o gordo mas, de eternizá-lo.
Afinal de contas: Como dizer ao gordo que descanse em paz? Se ele fosse o cara que descansa em paz ele seria o cara que bota panos quentes ... E ele não era. Ele era o bota fogo.

André Mascarenhas

Nenhum comentário: