O avanço de Jair Bolsonaro sobre a
área social, foco dos governos petistas, com o lançamento de um novo
programa de transferência de renda, tende a desidratar ainda mais a
"memória do lulismo" entre as camadas mais pobres da população ao mesmo
tempo em que dá musculatura à sua reeleição.
Essa é a opinião da
antropóloga Rosana Pinheiro-Machado, professora do Departamento de
Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Bath, no Reino Unido, e
autora do livro Amanhã vai ser maior (Editora Planeta, 192 pp,
2019), em que investiga o período que vai das Jornadas de Junho de 2013
até a vitória de Bolsonaro nas eleições presidenciais de 2018.
Pinheiro-Machado
é um estudiosa do bolsonarismo e vem pesquisando, desde as últimas
eleições, como moradores de periferias do Sudeste e Sul do Brasil, antes
eleitores do PT, se converteram a apoiadores de Bolsonaro.
Segundo ela, há um tripé que sustenta o bolsonarismo, formado por "punitivismo, família e assistência social".
"O
punitivismo se refere à abordagem de Bolsonaro sobre segurança pública.
Já a família são os valores e costumes conservadores, que se aliam à
base religiosa. Por fim, a assistência social se manifesta nas políticas
de transferência de renda", diz ela à BBC News Brasil.
Pinheiro-Machado
acrescenta que o último eixo, o da assistência social, que nunca foi o
forte do atual governo, ganha força agora, com a concessão do auxílio
emergencial e o lançamento do plano Renda Brasil.
"O lulismo já
havia perdendo memória nas camadas mais pobres da população e isso deve
se acentuar ainda mais agora", assinala ela.
"O dinheiro do auxílio emergencial, por exemplo, já muda a vida de muitas pessoas - e dinheiro significa autonomia", acrescenta.
Ela
ressalva, no entanto, que esse fenômeno é regionalizado e não pode ser
observado de forma homogênea entre todas as periferias do Brasil. As
zonas mais carentes do Nordeste, onde o lulismo é mais forte, precisam
ser acompanhadas com mais atenção, acrescenta.
Contexto da pandemia
Anunciado
pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, em junho, o Renda Brasil é um
programa de renda mínima permanente, com a unificação de vários
programas sociais, incluindo o Bolsa Família.
De acordo com
Guedes, devem ser incluídos no programa os 38 milhões de beneficiários
do auxílio emergencial, de três parcelas de R$ 600, pago em razão da
pandemia de covid-19.
"Aprendemos durante toda essa crise que
havia 38 milhões de brasileiros invisíveis e que também merecem ser
incluídos no mercado de trabalho", disse ele na ocasião, durante reunião
ministerial coordenada por Bolsonaro.
A mais nova pesquisa do
Instituto Datafolha, divulgada na sexta-feira (14/08), sustenta a
análise de Pinheiro-Machado. A sondagem mostra que a aprovação a
Bolsonaro subiu e é a melhor desde o início do mandato.
Segundo o
levantamento, 37% dos brasileiros consideram o governo ótimo ou bom,
frente a 32% do anterior, realizado em 23 e 24 de junho.
Houve uma
queda ainda maior na rejeição ao governo. Anteriormente, consideravam
ruim e péssimo 44% dos entrevistados. Agora, são 34%. Já 27% consideram o
governo regular, ante 23% em junho.
Foram entrevistadas 2.065
pessoas por telefone nos dias 11 e 12 de agosto. A margem de erro da
pesquisa é de dois pontos percentuais, para mais ou menos.
Mas
mesmo no Nordeste, um reduto oposicionista, a rejeição a Bolsonaro caiu
de 52% para 35%. Ali, ele tem sua pior avaliação: somente 33% consideram
seu governo ótimo e bom, alta de seis pontos em relação a junho.
A correlação com a distribuição do auxílio de R$ 600 é sugerida, ainda que não direta.
No Nordeste, onde vive quase um terço da população brasileira, 45% dos moradores recorreram ao benefício.
Mudança de tom
Pinheiro-Machado também faz coro com outros especialistas de que Bolsonaro "mudou de tom" recentemente.
Desde
a prisão de Fabrício Queiroz, ex-assessor de seu filho Flávio
Bolsonaro, investigado no caso das "rachadinhas" e elo entre o gabinete
do hoje senador e milícias no Rio de Janeiro, o presidente vem
diminuindo as aparições públicas e incitando menos os apoiadores
radicais.
Além disso, também vem estreitando laços com os partidos do chamado "centrão", distribuindo cargos e verbas em troca de apoio.
Reeleição
Na visão de Pinheiro-Machado, Bolsonaro caminha para
fortalecer suas chances de reeleição, ao ter o apoio das massas via
programas sociais e das elites, com a agenda liberal de Paulo Guedes.
Porém, o manejo da pandemia de coronavírus pode frustrar seus planos, ressalva.
"Tudo
vai depender de como será a gestão da crise daqui para frente. Se
continuar morrendo muita gente, aos milhares, isso pode se tornar um
calcanhar de Aquiles para Bolsonaro e prejudicar sua reeleição",
conclui. (BBC News Brasil)
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