segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

Transporte público deve ser gratuito?

Poucas decisões são tão explosivas politicamente para um prefeito quanto aquelas relativas ao transporte público de sua cidade.
Isso ficou evidente no Brasil em 2013, quando manifestações convocadas por ativistas contra o aumento da passagem de ônibus levaram a protestos com a participação de milhões de pessoas, gerando uma crise política de nível nacional.
Mas greves e manifestações de cidadãos inconformados com o custo de usar ônibus, metrô ou trem para ir ao trabalho todos os dias também são comuns ao redor do mundo.
Como o Movimento Passe Livre (MPL) no Brasil, organizações de outros países defendem que o transporte público seja totalmente gratuito, como ocorre com a educação e o sistema de saúde.
No entanto, zerar a tarifa não significaria que o transporte seria grátis, e sim custeado por toda a população por meio de impostos. A proposta soa bem, mas especialistas e ativistas debatem: é factível?

Na prática
A ideia de oferecer transporte público gratuito já foi posta em prática em capitais europeias, como Roma na década de 1970 e Talin, capital da Estônia, em janeiro de 2013.
Miami, nos Estados Unidos, oferece sem custo para o usuário um trem suspenso que percorre a zona central da cidade e uma frota de bondes.
Cidades de muitos outros países, como Londres, no Reino Unido, e Bogotá, na Colômbia, oferecem a gratuidade para certos grupos da população, como estudantes e aposentados.
Em São Paulo, a isenção da tarifa nos ônibus foi estendida desde janeiro para os alunos da rede pública e estudantes de baixa renda da rede privada, num total de 505 mil beneficiados. Idosos e deficientes já não pagavam passagem.
O governador paulista, Geraldo Alckmin, afirmou que estuda aplicar a mesma medida no metrô, trens e ônibus intermunicipais da região metropolitana, nos quais idosos e deficientes já têm este benefício.
Em nota, a Prefeitura de São Paulo disse que a iniciativa atende uma "antiga reivindicação da comunidade e dos jovens". Mas o MPL criticou a medida ao dizer que "tarifa zero e passe livre para estudantes são coisas muito diferentes".

Benefícios
Os benefícios da gratuidade são claros: alivia o peso sobre a renda de pessoas mais pobres, que dedicam uma proporção importante de seu salário com o transporte público, e promove uma forma de transporte ambientalmente mais sustentável em relação ao carro particular.
Mas alguns temem que estes subsídios beneficiem pessoas que não precisam deles.
E, em muitos casos, a tentativa de oferecer transporte público gratuito não teve muito êxito. Em Roma, a iniciativa durou apenas seis meses. Em Talin, a expectativa de haver uma revolução do transporte não se concretizou. Um estudo concluído em 2014 revelou que o número de usuários de transporte público na capital da Estônia aumentou só 1,2% com a gratuidade.
"Esperavam que houvesse um aumento da demanda, mas isso não ocorreu", afirma Darío Hidalgo, consultor colombiano em mobilidade que também atuou como vice-diretor do Transmilenio, o sistema de transporte de massa de Bogotá.
"Mais do que gratuidade ou tarifas baixas, as pessoas precisam de transporte público de qualidade, com alta frequência e cobertura, para usá-lo quando for necessário."
O especialista britânico Peter White, da Universidade de Westminster, em Londres, afirma que "há risco de que os níveis de financiamento do sistema sejam inicialmente apropriados, mas que isso não se mantenha no longo prazo".
"Como resultado, um sistema de transporte com pouco financiamento, sobrecarregado e com equipamentos velhos pode se tornar pouco atraente para os usuários, que buscariam alternativas de maior custo, como táxis", diz White, cético quanto à gratuidade.
Vários especialistas também veem falhas num sistema em que os impostos pagam a passagem de todos os usuários quando alguns deles teriam meios de pagar por ela sem o financiamento estatal.

Alternativa
Uma alternativa mais aceita é a proposta de subsidiar o transporte para determinados segmentos da população.
Hidalgo destaca como exemplo positivo o que está fazendo o governo de Bogotá, onde os mais pobres têm passagens subsidiadas.
"Isso faz muito mais sentido que a gratuidade, porque o Estado apoia quem tem menos recursos, mas obtém receita com o restante da sociedade para melhorar a oferta de transporte público", afirma o especialista.
Mas White alerta que alguns destes subsídios também são problemáticos. "No Reino Unido, os maiores de 60 anos não pagam e, em algumas cidades, representam até 25% dos usuários", afirma.
O subsídio dirigido a um aposentado de Londres que tenha recursos pode tornar mais difícil manter o serviço público que podia ser usado por uma pessoa pobre na periferia.
White também vê problemas na oferta do subsídio a estudantes. "O uso do transporte público por eles está fortemente concentrado em determinadas horas do dia, o que aumenta a lotação e a sobrecarga dos ônibus nestes momentos", destaca.
No entanto, em cidades com altos índices de pobreza, como as latino-americanas, oferecer transporte gratuito, ao menos a alguns grupos sociais, representa um enorme alívio financeiro para estudantes, aposentados e trabalhadores.
Por isso, espera-se que muitos governantes sigam buscando uma maneira de ajudá-los - e que continue a polêmica em torno de quanto deve custar este serviço básico. (BBCBrasil)

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